quarta-feira, 18 de julho de 2012

O visconde partido ao meio

- Está procurando caranguejos? - disse Medardo -, estou atrás de polvos. - E me mostrou sua presa.

Eram grandes polvos marrons e brancos. Estavam cortados em dois com um golpe de espada, mas continuavam a mover os tentáculos.

- Que se pudesse partir ao meio toda coisa inteira - disse meu tio, de bruços no rochedo, acariciando aquelas metades convulsivas de polvo -, que todos pudessem sair de sua obtusa e ignorante inteireza. Estava inteiro e para mim as coisas eram naturais e confusas, estúpidas como o ar: acreditava ver tudo e só havia a casca. Se você virar a metade de você mesmo, e lhe desejo isso, jovem, há de entender coisas além da inteligência comum dos cérebros inteiros. Terá perdido a metade de você e do mundo, mas a metade que resta será mil vezes mais profunda e preciosa. E você há de querer que tudo seja partido ao meio e talhado segundo sua imagem, pois a beleza, sapiência e justiça existem só no que é composto de pedaços.

Italo Calvino, O visconde partido ao meio (1952). São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 50

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