terça-feira, 26 de julho de 2011

Uma Aprendizagem

Lóri, pela primeira vez na sua vida, sentiu uma força que mais parecia uma ameaça contra o que ela fora até então. Ela então falou sua alma para Ulisses:

- Um dia será o mundo com sua impersonalidade soberba versus minha extrema individualidade de pessoa mas seremos um só.

Olhou para Ulisses com a humildade que de repente sentia e viu com surpresa a surpresa dele. Só então ela se surpreendeu consigo própria. Os dois se olharam em silêncio. Ela parecia pedir socorro contra o que de algum modo involuntariamente dissera. E ele com os olhos miúdos quis que ela não fugisse e falou:

- Repita o que você disse, Lóri.

- Não sei mais.

- Mas eu sei, eu vou saber sempre. Você literalmente disse: um dia será o mundo com sua impersonalidade soberba versus a minha extrema individualidade de pessoa mas seremos um só.

- Sim.

Lóri estava suavemente espantada. Então isso era a felicidade. De início se sentiu vazia. Depois seus olhos ficaram úmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me trascende. O amor pela vida mortal a assassinava docemente, aos poucos. E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta. Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade. Ela se despediu de Ulisses quase correndo: ele era o perigo.

Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou O livro dos Prazeres (1969). 18ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991, p. 84-86.

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