terça-feira, 12 de julho de 2011

Francisco de Goya

Para distrair-se e matar as horas intérminas, recorreu às pastas de estampas e arrumou os seus Goyas; os primeiros estados de certas pranchas dos Caprichos, provas reconhecíveis pelo seu tom avermelhado, outrora adquiridas a peso de ouro, alegraram-no e ele se abismou nelas, acompanhando as fantasias do pintor, enamorado de suas cenas vertiginosas, de suas feiticeiras cavalgando gatos, de suas mulheres forcejando por arrancar os dentes de um enforcado, de seus bandidos, de seus súcubos, de seus demônios e anões.

Depois, percorreu-lhe todas as outras séries de águas-fortes e aquatintas, os Provérbios de um horror tão macabro, os temas de guerra de uma ira tão feroz, a prancha do Garrote finalmente, de que acarinhava uma maravilhosa prova de ensaio, impressa em papel espesso, sem cola, com linhas claras visíveis atravessando a pasta.

A selvagem inspiração, o talento áspero, desvairado de Goya, o prendiam; todavia, a universal admiração conquistada por suas obras afastavam-no um tanto delas, e ele havia renunciado, fazia anos, a enquadrá-las, receoso de, pondo-as em evidência, o primeiro imbecil que o viesse visitar se julgasse obrigado a proferir asnices e a extasiar-se, por cortesia, diante delas.

Joris-Karl Huysmans, Às avessas (1884), São Paulo: Penguin, 2011, p. 166.

Imagem: Caprichos (70), de Francisco de Goya (1746-1828)

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