E não me esquecer, ao começar o trabalho, de me preparar para errar. Não esquecer que o erro muitas vezes se havia tornado o meu caminho. Todas as vezes em que não dava certo o que eu pensava ou sentia - é que se fazia enfim uma brecha, e, se antes eu tivesse tido coragem, já teria entrado por ela. Mas eu sempre tivera medo de delírio e erro. Meu erro, no entanto, devia ser o caminho de uma verdade: pois só quando erro é que saio do que conheço e do que entendo. Se a "verdade" fosse aquilo que posso entender - terminaria sendo apenas uma verdade pequena, do meu tamanho.A verdade tem que estar exatamente no que não poderei jamais compreender. E, mais tarde, seria capaz de posteriormente me entender? Não sei. O homem do futuro nos entenderá como somos hoje? Ele distraidamente, com alguma ternura distraída, afagará nossa cabeça como nós fazemos com o cão que se aproxima de nós e nos olha de dentro de sua escuridão, com olhos mudos e aflitos. Ele, o homem futuro, nos afagaria, remotamente nos compreendendo, como eu remotamente ia depois me entender, sob a memória da memória da memória já perdida de um tempo de dor, mas sabendo que nosso tempo de dor ia passar assim como a criança não é uma criança estática, é um ser crescente. (...)
Clarice Lispector, A paixão segundo G.H. (1964). Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p. 110.

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