Os homens dividem-se, na vida prática, em três categorias - os que nasceram para mandar, os que nasceram para obedecer, e os que não nasceram nem para uma coisa nem para outra. Estes últimos julgam sempre que nasceram para mandar; julgam-no mesmo mais frequentemente que os que efectivamente nasceram para o mando (...)
O homem que nasceu para mandar é o homem que impõe deveres a si mesmo. O homem que nasceu para obedecer é incapaz de se impor deveres, mas é capaz de executar os deveres que lhe são impostos (seja por superiores, seja por fórmulas sociais), e de transmitir aos outros a sua obediência; manda, não porque mande, mas porque é um transmissor de obediência. O homem que não nasceu nem para mandar nem para obedecer sabe só mandar, mas como nem manda por índole nem por transmissão de obediência, só é obedecido por qualquer circunstância externa - o cargo que exerce, a posição social que ocupa, a fortuna que tem (...)
Fernando Pessoa, in Teoria e Prática do Comércio
Um comentário:
Flávio,
Certamente vemos algo de Maquiavel, "triturado" no texto de Fernando Pessoa. Sobre os que mandam (o Príncipe); mandam por sua riqueza ou sagacidade, sustentando-se através da força, e aqueles que obedecem. As peças estão dispostas sobre o tabuleiro, como o nobre filósofo quer.
Misture um tanto de Marx e esta dicotomia social se transformará na eterna luta de classes, motor de toda a história humana.
Mescle, ainda, um pouco de Durkheim e a "coerção social".
Afinal, somos o que pensamos ou meros atores em um extraordinário espetáculo dirigido pelas contingências humanas...
Joandre
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