domingo, 31 de janeiro de 2010

O que eu queria era uma caverna...

Os três ou quatro primeiros dias na Mears-Starbuck transcorreram de maneira idêntica. De fato, rotina era uma coisa da qual dependia todo o funcionamento da loja. O sistema de castas era universalmente aceito. Não havia um vendedor sequer que falasse com um funcionário do estoque mais do que uma ou duas palavras superficiais. E isso me afetava. Pensava nisso enquanto empurrava meu carrinho. Era possível que os vendedores fossem mais inteligentes que o pessoal do estoque? Eles certamente se vestiam melhor. Incomodava-me o fato de que considerassem que suas posições valessem tanto assim. Talvez, se eu fosse um vendedor, me sentisse da mesma maneira. Eu não dava muita bola para os funcionários do estoque. Nem para os vendedores.

Agora, pensei, empurrando meu carrinho, tenho esse emprego. É assim que as coisas devem ser? Não é de espantar que homens assaltem bancos. Há muitos trabalhos por demais aviltantes. Por que, diabos, eu não era um juiz de uma corte superior ou um pianista de concerto? Porque isso exigia treinamento e treinamento custava dinheiro. Mas, de qualquer forma, eu não queria ser nada na vida. E nisso, certamente, eu estava sendo bem sucedido.

Empurrei meu carrinho até o elevador e apertei o botão.

As mulheres queriam homens que ganhassem dinheiro, as mulheres queriam homens de estirpe. Quantas mulheres de classe viviam com vagabundos de cortiço? Bem, eu não queria uma mulher mesmo. Não para viver junto comigo. Como os homens podiam viver com mulheres? O que isso significava? O que eu queria era uma caverna no Colorado com um estoque de comida e bebida para três anos. Limparia minha bunda com areia. Qualquer coisa, qualquer coisa que me salvasse do afogamento desta existência trivial, covarde e estúpida (p. 231-32).

Trecho extraído do livro Misto-quente, de Charles Bukowski (Porto Alegre: L&PM, 2009)

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