quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Misto-quente

Podia ver a estrada à minha frente. Eu era pobre e ficaria pobre. Mas eu não queria particularmente dinheiro. Eu sequer sabia o que desejava. Sim, eu sabia. Queria algum lugar para me esconder, um lugar em que ninguém tivesse que fazer nada. O pensamento de ser alguém na vida não apenas me apavorava mas também me deixava enojado. Pensar em ser um advogado ou um professor ou um engenheiro, qualquer coisa desse tipo, parecia-me impossível. Casar, ter filhos, ficar preso a uma estrutura familiar. Ir e retornar de um local de trabalho todos os dias. Era impossível. Fazer coisas, coisas simples, participar de piqueniques em família, festas de Natal, 4 de julho, Dia do Trabalho, Dia das Mães...afinal, é para isso que nasce um homem, para enfrentar essas coisas até o dia de sua morte? Preferia ser um lavador de pratos, retornar para a solidão de um cubículo e beber até dormir. (p. 212)


Durante o jantar naquela noite, minha mãe disse:
- Henry, estou tão orgulhosa por você ter conseguido um emprego!
Não respondi.
Meu pai disse:
- Bem, você não está feliz de ter conseguido um emprego?
- É.
- É? É isso que tem a dizer? Você tem noção de quantos homens estão desempregados no país neste momento?
- Um monte, eu acho.
- Então você deveria estar agradecido.
- Escute, será que não podíamos apenas comer em paz?
- Você deveria ser grato por esta comida também. Tem idéia de quanto custa esta refeição?
Afastei meu prato.
- Merda! Não consigo comer esta coisa!
Levantei-me e fui para o meu quarto.
- Estou pensando em aparecer lá depois para lhe dar uma lição!
Parei.
- Estarei esperando, velho.
Então me afastei. Entrei no quarto e esperei. Mas sabia que ele não ia vir. Ajustei o despertador para chegar à Mears-Starbuck na hora certa. Ainda eram sete e meia, mas tirei a roupa e fui para a cama. Apaguei a luz e fiquei no escuro. Não havia nada mais a ser feito, nenhum lugar para ir. Meus pais logo estariam na cama, as luzes apagadas.
Meu pai gostava do ditado: "Dormir cedo e levantar cedo faz um homem ter saúde, dinheiro e bom senso".
Este hábito, contudo, não lhe havia trazido nenhum desses benefícios. Decidi que eu deveria tentar reverter o processo.
Não conseguia dormir.
Talvez se me masturbasse pensando na srta. Meadows?
Vulgar demais.
Fiquei ali, chafurdando na escuridão, esperando que algo acontecesse. (p. 230-31)


Reunidos ao meu redor estavam os fracos em vez dos fortes, os feios em vez dos belos, os perdedores em vez dos vencedores. Era como se meu destino fosse cruzar a vida em companhia deles. Isto não me incomodava tanto quanto o fato de que para esses cretinos, para esses companheiros idiotas, eu era um cara irresistível. Eu era como um monte de bosta que atraía moscas em vez de ser uma flor desejada por borboletas e abelhas. Eu queria viver sozinho, me sentia melhor assim, mais limpo; no entanto, eu não era esperto o suficiente para me livrar deles. Talvez eles fossem meus mestres: pais de outra maneira. De qualquer forma, era duro agüentá-los ao meu redor enquanto comia meus sanduíches à bolonhesa. (p. 169)

Trechos extraídos do livro Misto-quente, de Charles Bukowski. Porto Alegre: L&PM, 2009.

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