segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

mulher de maldades

"na conversa da brunilde vinha também recado de coisa medonha. juntos os homens da terra haveriam de levar à praça, em alarido e confusão, mulher que se portara mal de tanto tempo que nada a salvaria por comando da dignidade de deus. era mulher velha e matreira, enfiada em casa, sozinha de maridos, postos em terra cedo de mais, consumidos por pó que lhes cozinhava para os abater. era mulher de tanto delírio interior como por fora tinha o ar frio das víboras, olhos fixos a queimar almas, e nada do que dizia queria dizer o que se ouvia, impregnando tudo e todos de mau-olhado para os definhar em seu favor. era mulher de maldades conhecidas e provadas, mas ainda assim só à revelia do padre a levariam à praça para lhe pôr fogo nas ventas, a ver se lhe coincidiam as chamas com o seu lugar no inferno. e muitos diziam que haveria de arder aflita de prazer, a sentir-se em casa no meio de tão grande calor, desaparecendo como quem vai de um lugar para outro."

valter hugo mãe (1971-). o remorso de baltazar serapião (2006). São Paulo: editora 34, 2010, p. 74

mães

"sabe, senhor paulo, as mães são como lugares de onde deus chega. lugares onde deus está e a partir dos quais pode chegar até nós. porque só através delas nos encontramos aqui. e, por isso, não há mãe alguma que não mereça o céu, porque, em verdade, as mães transportam o céu dentro delas, e multiplicam-no a custo, como um ofício, mesmo que dotadas de burrice grande ou estupidez perigosa."

valter hugo mãe (1971-). o remorso de baltazar serapião (2006). São Paulo: editora 34, 2010, p. 81

a existência é a empresa


“...no Japão, a existência é a empresa. [...]

Os contadores que passavam dez horas por dia a copiar números eram a meu ver vítimas sacrificadas no altar de uma divindade desprovida de grandeza e de mistério. Em toda a eternidade, os humildes consagraram sua vida a realidades que os ultrapassavam: ao menos, antes, eles podiam supor uma causa mística a esse desperdício. Agora, eles não podem mais ter ilusões. Eles davam sua existência para nada.

O Japão é o país onde a taxa de suicídio é a mais elevada, como todos sabem. Da minha parte, o que me admira é que o suicídio não seja lá mais frequente.

Fora da empresa, o que esperava os contadores de cérebro enxaguado pelos números? A cerveja obrigatória com os colegas tão castigados quanto eles, horas de metrô abarrotado, uma esposa já dormindo, crianças já cansadas, o sono que te aspira como um lavabo que se esvazia, as raras férias, das quais ninguém conhece o manual de instruções: nada que mereça o nome de vida.

O pior é pensar que em escala mundial essas pessoas são privilegiadas. [...]

Pobre Senhor Saito! Cabia a mim reconfortá-lo. Apesar de sua relativa ascensão profissional, ele era um Nipônico entre milhares, ao mesmo tempo escravo e carrasco desajeitado de um sistema que ele certamente não gostava mas que ele jamais denegriria, por fraqueza e falta de imaginação.”

Amélie Nothomb (1966-). Stupeur et tremblements. Paris: Éditions Albin Michel, 1999

…au Japon, l'existence, c'est l'entreprise. […]

Les comptables qui passaient dix heures par jour à recopier des chiffres étaient à mes yeux des victimes sacrifiées sur l'autel d'une divinité dépourvue de grandeur et de mystère. De toute éternité, les humbles ont voué leur vie à des réalités qui les dépassaient: au moins, auparavant, pouvaient-ils supposer quelque cause mystique à ce gâchis. A présent, ils ne pouvaient plus s'illusionner. Ils donnaient leur existence pour rien.

Le Japon est le pays où le taux de suicide est le plus élevé, comme chacun sait. Pour ma part, ce qui m'étonne, c'est que le suicide n'y soit pas plus fréquent.

Et en dehors de l'entreprise, qu'est-ce qui attendait les comptables au cerveau rincé par les nombres? La bière obligatoire avec des collègues aussi trépanés qu'eux, des heures de métro bondé, une épouse déjà endormie, des enfants déjà lassés, le sommeil qui vous aspire comme un lavabo qui se vide, les rares vacances dont personne ne connaît le mode d'emploi: rien qui mérite le nom de vie.

Le pire, c'est de penser qu'à l'échelle mondiale ces gens sont des privilégiés. [...]

Pauvre monsieur Saito! C'était à moi de le réconforter. Malgré sa relative ascension professionnelle, il était un Nippon parmi des milliers, à la fois esclave et bourreau maladroit d'un système qu'il n'aimait sûrement pas mais qu'il ne dénigrerait jamais, par faiblesse et manque d'imagination.”

Menos mal que he leído

"En la raíz de todos mis males, pensava a veces Amalfitano, se encuentra mi admiración por los judíos, los homosexuales y los revolucionarios (los revolucionarios de verdad, los románticos y los locos peligrosos, no los aparatchiks del Partido Comunista de Chile ni sus deleznables matones, ah, esos seres espantosos y grises). En la raíz de todos mis males, pensaba, se encuentra mi admiración por algunos drogadictos (no poetas drogadictos, ni artistas drogadictos, sino drogadictos a secas, tipos raros de encontrar, tipos que se alimentaban de sí mismos casi literalmente, tipos que eran como un agujero negro que nunca se abría o que nunca se cerraba, el Testimonio Perdido de la Tribu, tipos que parecían enganchados a la droga en la misma medida en que la droga parecía enganchada a ellos). En la raíz de todos mis males se encuentra mi admiración por los delincuentes, las putas, los perturbados mentales, se decía Amalfitano con amargura. Cuando adolescente hubiera querido ser judío, bolchevique, negro, homosexual, drogadicto y medio loco, y manco para más remate, pero sólo fui profesor de literatura. Menos mal, pensaba Amalfitano, que he podido leer miles de libros. Menos mal que he conocido a los Poetas y que he leído las Novelas. (Los Poetas, para Amalfitano, eran los seres humanos brillantes como un relámpago, y las Novelas, las historias que nacían de la fuente del 'Quijote'.) Menos mal que he leído. Menos mal que aún puedo leer, se decía entre escéptico y esperanzado."

Roberto Bolaño (1953-2003). Los sinsabores del verdadero policía. Barcelona: Anagrama, 2011, p. 127-8

Leer y viajar

"¿Y qué fue lo que aprendieron los alumnos de Amalfitano? Aprendieron a recitar en voz alta. Memorizaron los dos o tres poemas que más amaban para recordarlos y recitarlos en los momentos oportunos: funerales, bodas, soledades. Comprendieron que un libro era um laberinto y un desierto. Que lo más importante del mundo era leer y viajar, tal vez la misma cosa, sin detenerse nunca. [...] Que leyendo se aprendía a dudar y a recordar. Que la memoria era el amor."

Roberto Bolaño (1953-2003). Los sinsabores del verdadero policía. Barcelona: Anagrama, 2011, p. 146

Leitura

"[...] Pois eu já parei várias aulas, já deixei de dar aula quando constatei que nenhum dos meus alunos lera o texto. Preferi que eles fossem ler. As leis estão escritas, os contratos, os tratados, as principais ideias. Privar nossas crianças da habilidade consistente de ler e interpretar textos escritos, longos, elaborados, é um crime. Não podemos permitir que, sob a capa de uma pedagogia bacaninha, a imbecilidade reine nas escolas brasileiras."

Comentário de Luiz Henrique Assis Garcia, meu ex-colega de doutorado, hoje professor do curso de Ciência da Informação da UFMG

Amor



"Aquella noche la profesora Isabel Aguilar estaba pensando en Amalfitano cuando éste la llamó por teléfono. Aunque aún era temprano, ya se había puesto el pijama, y tenía preparado un whisky con el que pensaba acompañar la lectura de una novela que hacía mucho deseaba leer. Vivía sola y en los últimos años incluso había encontrado una cierta felicidad en ello. No echaba en falta la vida en pareja. Los hombres de su vida habían sido pocos y casi todos un desastre. Isabel Aguilar había estado enamorada de un estudiante de Filosofía que terminó dedicándose a las ciencias ocultas, de un militante trotskista que también terminó dedicándose a las ciencias ocultas (y al body-building), de un camionero de Hermosillo que se burlaba de su afición a leer y que lo único que quería era dejarla embarazada (para después largarse, intuía ella), y de un mecánico de Santa Teresa cuyo horizonte intelectual eran los partidos de fútbol y las maratones alcohólicas los fines de semana, maratones a las que ella acabó por aficionarse. En realidad, el único amor de su vida era Óscar Amalfitano, que había sido su profesor de filosofía en la UNAM y con el cual nunca llegó a nada."

Roberto Bolaño (1953-2003). Los sinsabores del verdadero policía. Barcelona: Anagrama, 2011, p. 276