quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Ponto de vista

"Estamos vendo a imagem da cidade.

Ela é captada pelo olhar de um pássaro notívago a sobrevoar bem alto no céu. A cidade, em perspectiva, é um ser vivo gigante; um aglomerado de vidas que se entrelaçam. Inúmeros vasos sanguíneos estendem-se às mais recônditas extremidades do corpo, circulando o sangue e substituindo células, ininterruptamente. Através deles, novas informações são transmitidas e as antigas, recolhidas; novos desejos de consumo são transmitidos e os antigos, recolhidos; novas contradições são transmitidas e as antigas, recolhidas. Esse corpo, ritmado pela pulsação, emite por toda parte pequenos lampejos de luz, produz calor e se move discretamente. A meia-noite se aproxima e, apesar de o horário de pico já ter passado, o metabolismo basal – para manutenção da vida – continua, sem sinais de desaceleração. O gemido da cidade soa como uma melodia em baixo contínuo. Um gemido monótono e constante que incuba a percepção do porvir."

Haruki Murakami (1949-). Após o anoitecer (2004). Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 7

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