"Estamos vendo a imagem da cidade.
Ela é captada pelo olhar de
um pássaro notívago a sobrevoar bem alto no céu. A cidade, em
perspectiva, é um ser vivo gigante; um aglomerado de vidas que se
entrelaçam. Inúmeros vasos sanguíneos estendem-se às mais recônditas
extremidades do corpo, circulando o sangue e substituindo células,
ininterruptamente. Através deles, novas informações são transmitidas e
as antigas, recolhidas; novos desejos de consumo são transmitidos e os
antigos, recolhidos; novas contradições
são transmitidas e as antigas, recolhidas. Esse corpo, ritmado pela
pulsação, emite por toda parte pequenos lampejos de luz, produz calor e
se move discretamente. A meia-noite se aproxima e, apesar de o horário
de pico já ter passado, o metabolismo basal – para manutenção da vida –
continua, sem sinais de desaceleração. O gemido da cidade soa como uma
melodia em baixo contínuo. Um gemido monótono e constante que incuba a
percepção do porvir."
Haruki Murakami (1949-). Após o anoitecer (2004). Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 7
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