domingo, 22 de junho de 2014

silêncio


"nada se ouve.
o telefone não toca as chaves
não tilintam na porta
que não se abre.
ninguém pisa duro no chão
para desgosto da senhora
que mora embaixo.

ela deve estar contente, agora.

das caixas de som não sai
ruído ou balada
hip hop ou lamento
tantos discos garimpados
compositores raros

nenhum toca, agora.
naquela manhã, o telefone tocou pela primeira vez –
o alt-country que sempre me acordava
mas era de manhã, e eu
sonolenta, resmunguei
deixei que tocasse

quando o telefone tocou pela segunda vez,
estava no banho. não quis molhar o tapete, o chão
e se escorregasse?

o telefone tocou pela terceira vez. eu me precipitava
pelas escadas
atrasada, como de regra.
aonde ia, tão apressada?

não voltei para atender.

o telefone vibrou na bolsa.
dessa vez respondi.
é como dizem: certas notícias correm rápido.
da janela, disseram. vigésimo andar.

desde então as gentes me olham, enternecidas
recebo muitos abraços.
dizem que você faria de toda maneira

se não naquele dia,
em outro
em breve.
dizem que já estava decidido.

e eu me pergunto: o que o teria movido
naqueles últimos instantes

uma despedida?
odiava bilhetes. não deixou nenhum
dramáticas, você dizia
– das pessoas que deixavam bilhetes.
você sempre disse
que gostaria de ir em silêncio
sem alvoroço
que não houvesse choros ou censuras
que a morte era de cada um para escolher
o momento.
eu cobria os ouvidos.

só depois – agora –
quietude.
como você queria.
escuto:
nada toca
você não entra com estrépito pela porta
não assovia desafinado
ou dança catira para incomodar a vizinha

silêncio. de ruído apenas
o som dos telefonemas
daqueles três telefonemas
que soaram
ressoaram

e eu não atendi."


Jeanne Callegari (1981-), escritora e poeta brasileira, nascida em Uberaba. Blog: Modo de usar & Co. Editores: Angélica Freitas, Marília Garcia e Ricardo Domeneck

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