domingo, 18 de maio de 2014

Uma pequena mulher



"Essa pequena mulher está muito insatisfeita comigo, tem sempre algo a criticar em mim, sempre uma injustiça a me imputar, irrito-a por tudo e por nada; se alguém pudesse separar a vida em suas menores partes e analisar cada uma das partezinhas isoladas, sem dúvida cada partezinha da minha vida seria motivo de irritação para ela. Muitas vezes perguntei-me por que a irrito tanto; pode ser que tudo em mim contrarie seu senso estético, seu sentimento de justiça, seus hábitos, suas tradições, suas esperanças, existem naturezas assim, contrárias, mas por que ela sofre tanto com isso? Não existe relação nenhuma entre nós que pudesse levá-la a sofrer por minha causa. Bastaria ela decidir me encarar como um estranho total, o que afinal sou, e eu sequer me oporia a essa decisão, pelo contrário, recebê-la-ia de braços abertos, bastaria ela decidir esquecer a minha existência, que eu jamais impus nem seria capaz de impor a ela – e todo o sofrimento desapareceria."

Franz Kafka (1883-1924). Um artista da fome e outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 2013, p. 17-18

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