"Há quem tendo cantado e batido os dentes no copo
já morreu.
Há quem tendo falado suas dores secretas
está hoje selado sob lápides,
excrescendo sobre mim o seu fantasma
de pessoa verdadeira, rebelada,
de pessoa poética.
Na juventude me comprazia o fúnebre,
as faces lívidas dos poetas doentes.
Hoje, só preciso da vida pra morrer.
Nas metrópoles,
o campo-santo acaba confundido,
rodeado de bares.
E por causa disso iludem-se as pessoas
de ter nas mãos a indomesticável.
O cemitério quer ladeira e montes
para os quais se olha ao entardecer:
um dia estarei lá,
lá longe,
no incontestável lugar."
Adélia Prado (1936-). O lugar da necrópole. In: Terra de Santa Cruz (1981). Poesia reunida. São Paulo: Arx, 1991. p. 269
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