domingo, 24 de novembro de 2013

Escrever


"Santidade de escrever,
insanidade de escrever
equivalem-se. O sábio
equilibra-se no caos."

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 1404

Imagem: Retrato de Erasmo de Rotterdam, de Quentin Metsys (1466-1530)

Livro de Haicais


"café quente
e um cigarro –
Meditação zen pra quê?"
................
"Estou tão louco 
que poderia morder
Os topos das montanhas"

Jack Kerouac. Livro de Haicais. Porto Alegre: L&PM, 2013

O último dia do ano



"Hoje é o último dia do ano. Em todo o mundo que este calendário rege andam as pessoas entretidas a debater consigo mesmas as boas ações que tencionam praticar no ano que entra, jurando que vão ser retas, justas, equânimes, que da sua emendada boca não voltará a sair uma palavra má, uma mentira, uma insídia, ainda que as merecesse o inimigo, claro que é das pessoas vulgares que estamos falando, as outras, as de exceção, as incomuns, regulam-se por razões suas próprias para serem e fazerem o contrário sempre que lhes apeteça ou aproveite, essas são as que não se deixam iludir, chegam a rir-se de nós e das boas intenções que mostramos, mas, enfim, vamos aprendendo com a experiência, logo nos primeiros dias de janeiro teremos esquecido metade do que havíamos prometido, e, tendo esquecido tanto, não há realmente motivo para cumprir o resto, é como um castelo de cartas, se já lhe faltam as obras superiores, melhor é que caia tudo e se confundam os naipes. Por isso é duvidoso ter-se despedido Cristo da vida com as palavras da escritura, as de Mateus e Marcos, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste, ou as de Lucas, Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito, ou as de João, Tudo está cumprido, o que Cristo disse foi, palavra de honra, qualquer pessoa popular sabe que é esta a verdade, Adeus mundo, cada vez a pior."

José Saramago (1922-2010). O ano da morte de Ricardo Reis (1984). Bisleya, 2012, p. 54-5

Foto: Largo Agostinho da Silva, em Lisboa - Portugal

Jesusalém



"A vida só sucede quando deixamos de a entender. Nos últimos tempos, meu querido Mwanito, estou longe de qualquer entendimento. Nunca me imaginei viajando para África. Agora não sei como regressar à Europa. Quero voltar para Lisboa, sim, mas sem memória de alguma vez já ter vivido. Não me apetece reconhecer nem gente, nem lugares, nem sequer a língua que nos dá acesso aos outros. É por isso que me dei tão bem em Jesusalém: tudo era estranho e não prestava contas sobre quem era, nem que destino devia escolher. Em Jesusalém, a minha alma se tornava leve, desossada, irmã das graças."

Mia Couto (escritor moçambicano). Jesusalém (2009)

Devaneio



"Lutei toda a minha vida contra a tendência ao devaneio, sempre sem jamais deixar que ele me levasse até as últimas águas. Mas o esforço de nadar contra a doce corrente tira parte de minha força vital. E, se lutando contra o devaneio, ganho no domínio da ação, perco interiormente uma coisa muito suave de se ser e que nada substitui. Mas um dia ainda hei de ir, sem me importar para onde o ir me levará."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo (Crônicas - 1967/1973). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 436

domingo, 17 de novembro de 2013

Solemn Hour


"Whoever now weeps somewhere in the world,
weeps without reason in the world,
weeps over me.

Whoever now laughs somewhere in the night,
laughs without reason in the night,
laughs at me.

Whoever now wanders somewhere in the world,
wanders without reason out in the world,
wanders toward me.

Whoever now dies somewhere in the world,
dies without reason in the world,
looks at me."

Rainer Maria Rilke (1875-1926)

Fonte: Poemhunter

sábado, 16 de novembro de 2013

Inveja



"A inveja existe nas relações humanas em doses muito mais elevadas do que a gente pensa. Por que digo isso? Porque a inveja é – e sabe que é – tão feia que se esforça terrivelmente para se camuflar. É como a víbora que procura todos os modos de se esconder. Quanto mais feia é a sua cara, mais bonitos os disfarces que usa.

Em outras palavras: a inveja é sumamente racionalizante, isto é, busca ‘razões’ para se disfarçar. Por isso assume ares razoáveis, poses objetivas. Diz a inveja: ‘Apresento-lhes cinco razões para demonstrar que fulano é um fracassado’. Mas as cinco razões são pura fachada; a verdadeira razão é a sexta: a inveja. Diz a inveja: ‘Fulana não está fazendo tão bem quanto vocês dizem: não perceberam que falta brilho no seu rosto, que isso e mais aquilo, que não há vigor em sua entonação?...’ Diz a inveja: ‘Fulano não serve para esse cargo: sua pedagogia não está atualizada, seu poder de persuasão é relativo, sua capacidade de comunicação é medíocre; hoje a sociedade precisa de homens com outras ideias’, etc. etc.

É assim que a inveja se disfarça. Nunca ataca a descoberto, sempre encolhida embaixo das asas das ‘razões’. Assim, amparada pela racionalização, vegeta e engorda dando picadas, minimizando os méritos, apagando todo o brilho.

As pessoas sofrem muito por causa da inveja". 

Inácio Larrañaga (1928-2013). Sofrimento e Paz: Para uma Libertação Pessoal. 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 1995, p.105

Apreciações


"Você se apresenta e atua, suponhamos, diante de quinze pessoas. No fim, cada um dos assistentes tem uma apreciação diferente – intelectual e afetiva – sobre a sua atuação e inclusive sobre a sua pessoa.

Há mil fatores que influem nessa apreciação: evocações, transferências, sensibilidades, histórias pessoais. Às vezes, uma simples questão de afinidade: ‘gostei’ ou não. Outras vezes, sua presença lembra-lhes outras pessoas e transferem para você as simpatias ou antipatias que sentem pelo outro. Há dias em que as pessoas vêem tudo escuro ou tudo azul, conforme a pressão arterial, os metabolismos ou outras alterações biológicas.

Não é raro acontecer o seguinte: as pessoas têm seus próprios quadros de valores e, por trás deles, naturalmente, e escondidos, seus interesses pessoais. Pois bem, de acordo com a mentalidade ou a escala de valores que perceberem em você, elas vão se sentir ameaçadas em seus interesses vitais, e tudo isso vai influenciar na avaliação que vão fazer e na atitude afetiva que vão assumir a seu respeito.

Para uns você foi motivo de estímulo; para outros, de inveja; para outros, de emulação. Aceito por uns, rejeitado por outros, indiferente para a maioria. Todas essas reações, entretanto, pouco dependem de você, ou quase nada. O problema está mais neles, mas nem eles mesmos têm consciência de suas próprias reações. São fatores temperamentais e histórias pessoais que, como mecanismos, condicionam sua atitude para com você."

Inácio Larrañaga (1928-2013). Sofrimento e Paz: Para uma Libertação Pessoal. 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 1995, p.104

Fazer 70 anos



"Fazer 70 anos não é simples.
A vida exige, para o conseguirmos,
perdas e perdas no íntimo do ser,
como, em volta do ser, mil outras perdas.

Fazer 70 anos é fazer
catálogo de esquecimentos e ruínas.
Viajar entre o já-foi e o não-será.
É, sobretudo, fazer 70 anos,
alegria pojada de tristeza.

Ó José Carlos, irmão-em-Escorpião!
Nós o conseguimos...
E sorrimos
de uma vitória comprada por que preço?
Quem jamais o saberá?

À sombra dos 70 anos, dois mineiros
em silêncio se abraçam, conferindo
a estranha felicidade da velhice."

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 1288

Sobre a obra de Burroughs



"O método deve ser a mais pura carne
e nada de molho simbólico,
verdadeiras visões & verdadeiras prisões
assim como vistas vez por outra.

Prisões e visões mostradas
com raros relatos crus
correspondendo exatamente àqueles
de Alcatraz e Rose.

Um lanche nu nos é natural,
comemos sanduíches de realidade.
Porém alegorias não passam de alface.
Não escondam a loucura."

Allen Ginsberg (1926-1997). Sobre a obra de Burroughs (1954). In: Uivo e outros poemas. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 164

Foto: Jack Kerouac e Allen Ginsberg (de óculos)

Morte à orelha de Van Gogh!


"O Poeta é Sacerdote

O dinheiro contabilizou a alma da América 
O Congresso desabou no precipício da Eternidade
O Presidente construiu uma máquina de guerra que 
vomitará e varrerá a Rússia para fora do Kansas
O Século Americano foi traído por um Senado louco que
não dorme mais com sua mulher
Franco assassinou Lorca o filho queridinho de Whitman
assim como Maiakovski se suicidou para evitar a Rússia 
Hart Crane Platônico insigne se suicidou para soterrar
a América errada
assim como milhões de toneladas de cereal humano
foram queimadas em porões secretos sob a Casa Branca
enquanto a Índia morria de fome e gritava e comia
cachorros loucos encharcados de chuva
e montões de ovos eram reduzidos a pó branco nos
corredores do Congresso
nenhum homem temente a Deus andará de novo por lá
por causa do fedor dos ovos podres da América 
e os índios de Chiapas continuam a mastigar suas tortillas
sem vitaminas
aborígenes da Austrália talvez resmunguem na selva sem
ovos
e raramente eu tenho um ovo para o café da manhã embora 
meu trabalho precise de infinitos ovos para 
renascer na Eternidade (...)"

Allen Ginsberg (1926-1997). Morte à orelha de Van Gogh! (1958). In: Uivo e outros poemas. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 125-130

No túmulo de Apollinaire



"Visitei Père Lachaise para procurar os restos mortais de
Apollinaire no dia em que o Presidente dos Estados
Unidos apareceu na França para a grande conferência
dos chefes de estado
é isso aí o aeroporto azul de Orly claridade de primavera
no ar de Paris 
Eisenhower chegando do seu sepulcro americano
e sobre os túmulos com sapos de Père Lachaise uma ilusória
neblina espessa como fumaça de marijuana
Peter Orlovsky e eu caminhamos suavemente por Père
Lachaise ambos sabíamos que iríamos morrer
e assim nos demos nossas temporárias mãos ternamente
numa eternidade em miniatura como uma cidade
estradas e sinais pedras e colinas e nomes nas casas de
todos
procurando o endereço perdido de um notável Francês
do Vazio (...)"

Allen Ginsberg. No túmulo de Apollinaire. In: Uivo e outros poemas. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 117

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

The House


"They are building a house
half a block down
and I sit up here
with the shades down
listening to the sounds,
the hammers pounding in nails,
thack thack thack thack,
and then I hear birds,
and thack thack thack,
and I go to bed,
I pull the covers to my throat;
they have been building this house
for a month, and soon it will have
its people... sleeping, eating,
loving, moving around,
but somehow
now
it is not right,
there seems a madness,
men walk on top with nails
in their mouths
and I read about Castro and Cuba,
and at night I walk by
and the ribs of the house show
and inside I can see cats walking
the way cats walk,
and then a boy rides by on a bicycle
and still the house is not done
and in the morning the men
will be back
walking around on the house
with their hammers,
and it seems people should not build houses
anymore,
it seems people should not get married
anymore,
it seems people should stop working
and sit in small rooms
on 2nd floors
under electric lights without shades;
it seems there is a lot to forget
and a lot not to do,
and in drugstores, markets, bars,
the people are tired, they do not want
to move, and I stand there at night
and look through this house and the
house does not want to be built;
through its sides I can see the purple hills
and the first lights of evening,
and it is cold
and I button my coat
and I stand there looking through the house
and the cats stop and look at me
until I am embarrased
and move North up the sidewalk
where I will buy
cigarettes and beer
and return to my room."

Charles Bukowski (1920-1994)

Fonte: Poemhunter

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Livre


"Vivia jogado em casa.
Os amigos o abandonaram
quando rompeu com o chefe político.
O jornal governista ridicularizava seus versos,
os versos que ele sabia bons.

Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais
que apoiavam a Câmara em exercício.

Entrou a tomar porres
violentos, diários.
E a desleixar os versos.
Se já não tinha discípulos.
Se só os outros poetas eram imitados.

Uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque
saiu à toa pelas ruas escuras.
Parou na ponte sobre o rio moroso,
o rio que lá embaixo pouco se importava com ele
e no entanto o chamava
para misteriosos carnavais.

E teve vontade de se atirar
(só vontade).

Depois voltou para casa
livre, sem correntes
muito livre, infinitamente
livre livre livre que nem uma besta
que nem uma coisa."

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Alguma poesia (1930). In: Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 18-19

Tristeza de ver a tarde cair



"Tristeza de ver a tarde cair
como cai uma folha.
(No Brasil não há outono
mas as folhas caem.)

Tristeza de comprar um beijo
como quem compra jornal.
Os que amam sem amor
não terão o reino dos céus.

Tristeza de guardar um segredo
que todos sabem
e não contar a ninguém
(que esta vida não presta)."

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Alguma poesia (1930). In: Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 31

Ó solidão do boi no campo


"Ó solidão do boi no campo,
ó solidão do homem na rua!
Entre carros, trens, telefones,
entre gritos, o ermo profundo.

Ó solidão do boi no campo,
ó milhões sofrendo sem praga!
Se há noite ou sol, é indiferente,
a escuridão rompe com o dia.

Ó solidão do boi no campo,
homens torcendo-se calados!
A cidade é inexplicável
e as casas não têm sentido algum.

Ó solidão do boi no campo!
O navio-fantasma passa
em silêncio na rua cheia.
Se uma tempestade de amor caísse!
As mãos unidas, a vida salva...
Mas o tempo é firme. O boi é só.
No campo imenso a torre de petróleo."

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). José (1942). In: Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 94-5

a impossibilidade de ser humano


"Van Gogh escrevendo para o irmão pedindo tinta
Hemingway testando seu rifle
Céline fracassando como médico
a impossibilidade de ser humano
Villon expulso de Paris por ser um ladrão
Faulkner bêbado nas sarjetas de sua cidade
a impossibilidade de ser humano
Burroughs matando sua mulher com um tiro
Mailer apunhalando a sua
a impossibilidade de ser humano
Maupassant enlouquecendo em um barco a remo
Dostoiévski enfileirado no muro para ser fuzilado
Crane fora do barco em direção à hélice
a impossibilidade
Sylvia com a cabeça no forno como uma batata assada
Harry Crosby saltando naquele Sol Negro
Lorca assassinado na estrada pelas tropas espanholas
a impossibilidade
Artaud sentado num banco de hospício
Chatterton tomando veneno de rato
Shakespeare um plagiador
Beethoven com uma corneta para surdez enfiada na cabeça
a impossibilidade a impossibilidade
Nietzsche enlouquecendo completamente
a impossibilidade de ser humano
demasiado humano
esse respirar pra dentro e pra fora
pra fora e pra dentro
esses marginais
esses covardes
esses campeões
esses cachorros loucos de glória
movendo esse pedacinho de luz em direção
a nós
impossivelmente."

Charles Bukowski (1920-1994). Essa Loucura Roubada que não Desejo a Ninguém a não ser a Mim Mesmo Amém (coletânea de poemas). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005, p. 111

domingo, 3 de novembro de 2013

Contemporary slavery


“A barren field stretched out before me, a barren, dusty field cluttered with gray stones of various shapes and sizes, and scattered among the stones in that field were fifty or sixty men and women, each holding a hammer in one hand and a chisel in the other, pounding on the stones until they broke in two, then pounding on the smaller stones until they were reduced to gravel. Fifty or sixty black men and women crouching in that field with hammers and chisels in their hands, pounding on the stones as the sun pounded on their bodies, with no shade anywhere and sweat glistening on every face. I stood there watching them for a long time. I watched and listened and wondered if I had ever seen anything like it. This is the kind of work one usually associated with prisoners, with people in chains, but these people weren’t in chains. They were working, they were making money, they were keeping themselves alive. The music of the stones was ornate and impossible, a music of fifty or sixty clinking hammers, each one moving at its own speed, each one locked in its own cadence, and together they formed a fractious, stately harmony, a sound that worked itself into my body and stayed there long after I had left, and even now, sitting on the plane as it flies across the ocean, I can still hear the clinking of those hammers in my head. That sound will always be with me. For the rest of my life, no matter where I am, no matter what I am doing, it will always be with me.”

Paul Auster (1947-). Invisible. London: Faber and Faber, 2009, p. 307

A insônia é um dom



"Mas quantas vezes a insônia é um dom. De repente acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum ruído. Só o das ondas do mar batendo na praia. E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e rico. E o telefone mudo, sem aquele toque súbito que sobressalta. Depois vai amanhecendo. As nuvens se clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o sol é meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por tudo."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo (crônicas - 1967/1973). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 82

Escrever é uma maldição



"Eu disse uma vez que escrever é uma maldição. Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com sinceridade. Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva. 

Não estou me referindo muito a escrever para jornal. Mas escrever aquilo que eventualmente pode se transformar num conto ou num romance. É uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar, pois nada o substitui. E é uma salvação.

Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva. Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo (crônicas - 1967/1973). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 191