domingo, 18 de setembro de 2011

Relato de um sonho

Uma noite bêbado na minha casa com um
garoto, San Francisco: deitado dormindo:
escuridão:
voltei para Cidade do México
e vi Joan Burroughs debruçada
para a frente numa cadeira de jardim, braços
nos joelhos. Examinou-me com
límpidos olhos e sorriso abatido, seu
rosto reconstituído na refinada beleza
que a tequila e o sal haviam tornado estranha
antes da bala em sua testa.

Falamos sobre a vida desde então.
Bem, o que Burroughs está fazendo agora?
Bill na terra, ele está na África do Norte.
Ó, e Kerouac? Jack continua por aí
com o mesmo gênio Beat de antes,
cadernos de anotações cheios de Buda.
Espero que ele consiga, ela riu.
E Hunckle, ainda está em cana? Não,
da última vez que o vi foi em Times Square.
E como vai Kenney? Casado, bêbado
e cheio da grana no Leste. E você? Novos
amores no Oeste -
Então soube
que ela era um sonho: e perguntei-lhe
- Joan, que espécie de sabedoria têm
os mortos? você ainda pode amar
suas amizades mortais?
O que você lembra de nós?
Ela
se apagou à minha frente - No momento seguinte
eu vi seu túmulo encardido pela chuva
atrás um epitáfio ilegível
sob o ramo nodoso de uma pequena
árvore no capim selvagem
de um jardim abandonado no México.

Allen Ginsberg (1955)

Allen Ginsberg, Uivo, Kaddish e outros poemas. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 168-9.

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