sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Em serviço desencarnatório

Andei muito ocupado, cuidando de assunto novo para mim. Estive ajudando o desencarne de uma pessoa que conheci e que ainda estava passando por uma prova. Acompanhei todo o trabalho dos irmãos mais experientes e vi muita coisa que jamais iria compreender, se estivesse encarnado. Gostaria de dar uma explicação, contar o que vi e como entendi o processo do desencarne.

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A doença que vitimava o irmão prendia-se a motivos cármicos e constituía uma sagrada oportunidade de resgate. O sofrimento que essa doença acarreta depura o espírito e deixa perceber a extensão de certos vícios sedimentados em suas diversas fases evolutivas, bem como os sentimentos de ira, de vingança e outras inclinações más que ainda possuímos.

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A pessoa de quem eu falo precisou ficar no corpo até que "chegasse a hora", como dizem. Há uma forte razão para assim acontecer. Nenhum irmão que o assistia pretendeu aliviar seu sofrimento antecipando sua saída do corpo. Auscultavam, davam passes, tomavam medidas de auxílio para fortalecê-lo espiritualmente. Notei que observavam atentamente o paciente. Havia sempre um irmão perto dele como se fosse enfermeiro. Cuidavam muito de seu equilíbrio mental.

Houve um dia em que não consegui conter a curiosidade e fiz a clássica pergunta que, segundo me informaram depois, todo Espírito em minhas condições costuma fazer. Quis saber por que não retiravam logo o irmão, já que não seria mais possível reconstituir-lhe o físico. O médico, pacientemente, explicou que nada deve ser feito antes do momento próprio. Se o Espírito for retirado sem o devido preparo, pode acontecer que leve grande carga doentia, o que iria dificultar sua convalescença no espaço; que seria bem melhor para ele sofrer um pouco mais no corpo, para gozar melhor e mais brevemente a libertação. Quando acontece, naturalmente por inexperiência, ser a pessoa retirada antes do momento propício, ela vai sofrer mais tempo como desencarnada. Não há vantagem, portanto.

Os Espíritos que se dedicam à assistência aos desencarnantes têm grande prática e sabem ver o momento exato do desprendimento. É o que se dá ao colhermos um fruto; sabemos quando ele está maduro. Assim acontece. Quando se aproxima a hora de ser retirado, o Espírito é avisado de que em breve deixará de sofrer. Ministram-lhe passes que lhe transmitem forças e muitos conseguem até apresentar melhoras, enganando os familiares que os rodeiam, fazendo decrescer a tensão emocional entre eles. É a coragem de que reforça o Espírito para o desligamento final. Esse desligamento é interessante de ser observado. Como ainda sou aluno e quase nada aprendi, não sei explicar de maneira mais clara ou científica como se dá o fenômeno.

No caso que estou relatando, foi feito ao Espírito um chamamento, de modo a fazer com que se voltasse para o plano espiritual, e se manteve com ele uma conversa telepática. Não sei o que lhe disseram. Não captei. O irmão já estava cansado de sofrer e depois que entendeu a mensagem mostrou interesse em verificar quem estava presente. Conheceu um de nós e enviou pensamentos de afetividade, o que fez com que os irmãos que o observavam esboçassem um gesto de aquiescência e continuassem o trabalho. Com grande calma e aparentando saber o que faziam, continuaram apresentando imagens belas ao irmão, de acordo com suas possibilidades de apreensão e entendimento.

Assim, viu-se uma luz radiosa que envolveu a todos e sons maravilhosos que vinham não sei de onde. Até perfume espalhou-se em volta. O alvo de todo esse aparato era o irmão desencarnante. Logo, formas vaporosas tornaram-se visíveis para nós, mas o irmão não as percebeu.

Muito vagarosamente, foi sendo chamado o Espírito para fora do corpo. Aos poucos foi desprendendo-se, como sai um inseto de sua casca, porém não havia abertura na casca (corpo). Saía por todos os poros, segundo parecia.

O desligamento final aconteceu mais rápido. De repente, após um de nós ter-lhe estendido as mãos, ele se sentiu atraído e "largou" o corpo, que tombou. Não se deu conta do momento exato e final de seu desencarne, pois riu de satisfação ao nos abraçar e logo caiu na sonolência, que dizem ser natural. Foi levado para as câmaras de repouso para ser cuidado até se recuperar.

Não é bom para os espíritos recém-desencarnados ficarem largados por aí, sem alguém que deles cuide nessa fase inicial. Há perigos aos quais estão expostos e podem ser até muito maltratados. Imaginem se podíamos pensar nisso se não tivéssemos visto!

O interessante é que ninguém se apercebe do que acontece e que seria possível, mesmo ao encarnado, acompanhar a fase do desencarne.

Cada pessoa enfrenta a "morte" de maneira diferente. Porém, as fases são quase as mesmas para todos. Segundo nosso mentor, há os que são apressados, impacientes, que querem livrar-se logo do sofrimento físico e acabam carregando consigo muita mácula para expurgar depois. Há os que são mais agarrados ao plano físico e tentam ludibriar os encarregados da operação, para permanecerem mais algum tempo no corpo; estes têm sofrimento mais longo e também saem desiludidos, sem esperança e realmente cansados. Como se retiram com revolta, porque desejam ficar, então sofrem duplamente. Há os que são expelidos do corpo porque este, de repente, deixou de ter condições de servi-los, como aconteceu comigo, que não me apercebi, naquele momento, que havia desencarnado. Ainda não estudei bem o meu caso. Não quiseram tocar no assunto, porque são unânimes em achar que não há necessidade de o fazer agora. Há os que destroem o corpo e voltam em condições precaríssimas. É tão triste a situação desses Espíritos que nem tenho desejo de contar.

Os desencarnes seguem todas as fases predeterminadas pelas leis cósmicas. Elas se aplicam independentemente da vontade de quem quer que seja, o que não impede que possam ser violadas. Como o corretivo é inerente ao engano cometido, ele se aplica em decorrência da própria violação.

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Todos nós nos enganamos muito quando estamos encarnados, sempre que vamos julgar a vida de nossos semelhantes. Lembro-me de ter ouvido falar de determinadas pessoas que eram tão boas e que, no entanto, tiveram de passar por grandes provações. Isso sempre me intrigou e eu não conseguia atinar com a sua razão. Agora, já com a visão mais ampla de nossa vida, compreendo tudo isso. De nada adianta querermos fugir da Lei, porque ela está gravada em nós. Ela se manifesta como princípio de nosso estado. Sem ela não "seríamos". Ouvimos dizer que Deus tarda, mas não falta. Deus é o Criador, portanto, é a Lei. Ele está dentro de nós, portanto, a Lei também reside em nosso interior.

Como a evolução se processa através do aperfeiçoamento da criatura em conformidade com os moldes desejados pelo Criador, as leis que regem essa evolução são simplesmente êmulos que levam o indivíduo, através do aprendizado, à conquista de graus cada vez maiores de compreensão que lhe permitam atingir os degraus evolutivos, cada vez mais elevados ou inlevados.

Inlevado é um termo novo que estou usando. Quando falamos "elevados" vem-nos naturalmente a idéia de altura, tal como costumamos admiti-la. Pensamos num alto prédio, nas nuvens, na lua e vamos até às estrelas."Inlevado" é por elevação interior que não exprime altura, e sim condição. As criaturas não se colocam mais "alto" no sentido de distância do chão por estarem evoluindo. Adquirem condições, de modo a poderem viver em sintonias especiais, mesmo entre criaturas menos evoluídas. Ouvem, pensam, sentem, transmitem de uma maneira diferente. Sentem de forma mais sutil, menos impulsiva, não se desgastam inutilmente em esforços desnecessários, porque têm condições de operar com mais aptidão sem muita perda de energia. Vivem entre nós todos, encarnados e desencarnados, e muitas vezes passam despercebidos, porque não provocam impactos, não se evidenciam de forma contundente para os demais. Esses são inlevados. Esse termo eu sei que não é conhecido, mas quis empregá-lo, porque desejo que vocês o conheçam também.

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Antes de terminar, desejo referir-me ainda ao irmão que desencarnou. Ele está muito bem e em franca recuperação, porém não poderá dar notícias suas tão cedo e é aconselhável que não pensem nisso. Deixem-no descansar num justo repouso, depois de tantas lutas.

Um abraço afetuoso a todos os que me conheceram e que ainda se lembram de mim.

Papai, mamãe, Cezinha e todos, todos os familiares estão incluídos no meu circuito de vibrações. De ninguém eu me esqueço. Creiam-me.

Luiz Sérgio (1949-1973). Mensagem de 11 de setembro de 1974.

Alayde de Assunção e Silva, O Mundo que eu encontrei (pelo Espírito Luiz Sérgio). 1976. 21ª ed. Brasília: Livraria e Editora Recanto, 1995. p. 89-95

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