sexta-feira, 23 de julho de 2010

Profundezas incertas

Haveria um mistério sob a superfície da atividade humana? Ou seriam as pessoas exatamente como se revelam através de suas ações explícitas?

Pode parecer estranho, mas dentro de mim a resposta se alterna conforme a luz que recai sobre a cidade e o Tejo. Na luz mágica de um dia luminoso de agosto, que produz sombras nítidas e de contornos claros, a ideia de uma profundeza humana oculta me parece absurda e como um fantasma curioso, algo terno, semelhante a uma miragem que aparece quando olho longamente para as ondas que surgem naquela mesma luz. Mas se, ao contrário, a cidade e o rio, num dia triste de janeiro, são envolvidos por uma cúpula de luz sem sombra e tediosamente cinzenta, não conheço certeza maior do que esta: a de que qualquer ação humana não passa de manifestação altamente imperfeita, até mesmo ridícula e indefesa, de uma vida interior oculta de profundezas nunca imaginadas. Uma vida que quer chegar à superfície sem jamais conseguir alcançá-la.

A esta estranha e inquietante incerteza do meu julgamento soma-se ainda mais uma experiência que, desde que a conheci, tem mergulhado a minha vida em uma insegurança perturbadora: é que nessa questão, além da qual não pode existir nada mais importante para nós humanos, eu hesito tanto quanto quando se trata de me analisar a mim mesmo. Quando, por exemplo, estou sentado no meu café preferido, ao sol, escutando as risadas sonoras das senhoras que passam, parece que todo o meu mundo interior está repleto até o canto mais remoto e que eu o conheço todo por ele se esgotar nessas sensações agradáveis. Mas no momento em que uma camada de nuvens prosaica e desmistificadora encobre o sol, tenho subitamente a certeza de que existem em mim profundezas ocultas e baixios dos quais podem irromper coisas nunca imaginadas e que podem me levar de arrastão. Então, procuro pagar logo e vou buscar uma diversão na esperança de que o sol volte logo, restaurando os direitos à superficialidade tranquilizadora.

Amadeu Inácio de Almeida Prado, Um ourives das palavras. Lisboa, 1975

[Ainda não sei se este livro realmente existiu, ou se é apenas fruto da imaginação de Pascal Mercier, autor do livro Trem noturno para Lisboa].

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