sexta-feira, 23 de julho de 2010

O triunfo da ética protestante

Após a derrota dos radicais, em 1660, e a liquidação definitiva do antigo regime em 1688, os dirigentes da Inglaterra organizaram um império comercial de extrema eficácia e um sistema de dominação de classes que se revelou extraordinariamente resistente à passagem do tempo. A ética protestante impôs-se, pelo menos, às ideias e sentimentos que puderam encontrar expressão impressa. A sociedade produziu grandes cientistas, grandes romances. Inventou o romance. Newton e Locke ditaram normas ao mundo intelectual. Esta foi uma civilização poderosa, que para a maior parte das pessoas representou um progresso face ao que antes existia. Porém que certeza podemos ter, em última análise, de que esse mundo era o melhor dentre os possíveis - um mundo em que poetas enlouqueceram, em que Locke tinha medo da música e da poesia, e Newton tinha ideias secretas e irracionais que não se atrevia a tornar públicas?

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A ética protestante dominou tanto as atitudes morais das classes médias, a filosofia mecanicista dominou tão completamente o pensamento científico, que nem foi preciso renovar a lei de censura ao expirar ela em 1695 - não devido a um possível triunfo dos princípios libertários dos radicais, mas simplesmente porque a censura já não era necessária. Iguais a Newton nesse ponto, os formadores de opinião dessa sociedade se autocensuravam. Nada era impresso que pudesse assustar os proprietários. O que assim passava ao mundo subterrâneo e clandestino só podemos suspeitar. Alguns poucos poetas tinham ideias românticas que destoavam desse mundo; mas não era preciso levá-los demasiado a sério. A autocensura implicava a satisfação consigo mesmo.


Christopher Hill, O mundo de ponta-cabeça: Idéias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640. São Paulo: Cia das Letras, 1987. p. 366-367.

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