segunda-feira, 12 de julho de 2010

O mundo de ponta-cabeça

Dizer que uma coisa está de ponta-cabeça, ou posta de pernas para o ar, afinal de contas é uma descrição bastante relativa. A idéia de que esta é a posição errada só vale na medida em que a olhamos de cima para baixo. Marx disse que encontrou Hegel de ponta-cabeça e o colocou na posição correta; mas certamente não era assim que Hegel via a sua própria posição. Marx pensava que a Prússia de seu tempo era um mundo de pernas para o ar. A idéia de que o debaixo possa ir ter em cima, de que o último possa ser o primeiro e o primeiro, último, de que a "comunidade... denominada Cristo ou o amor universal" possa banir "a propriedade, cujo nome é diabo ou cobiça", e de que "as servidões internas da mente" (a cobiça, o orgulho, a hipocrisia, os medos, o desespero e a doença mental) possam ser "causadas, todas, pelas servidões externas que uma espécie de gente impõe a outra" - essas idéias não são necessariamente opostas à ordem: simplesmente contemplam uma ordem diferente. Podemos estar muito condicionados pela via ascendente que o mundo tomou nesses últimos trezentos anos, a ponto de não conseguirmos ser justos com os homens do século XVII que anteviram as possibilidades do avesso, das pernas para o ar, da reviravolta do mundo. Mas pelo menos devemos tentar entendê-los (p. 367).

Christopher Hill, O mundo de ponta-cabeça: Idéias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640. Tradução e apresentação de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Cia das Letras, 1987.

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