sábado, 27 de junho de 2015

The house was dark



"The house was dark. I stood looking at it in the darkness, just aware of its bulk in the feeble light of a broken moon, and I thought it looked even bigger than it really was, like a stone-giant's head, a huge moonlit skull full of shapes and memories, staring out to sea and attached to a vast, powerful body buried in the rock and sand beneath, ready to shrug itself free (...).

The house stared out to sea, out to the night, and I went into it."

Iain Banks (1954-2013). The Wasp Factory (1984). London: Abacus, 2013, p. 110

Desexplicar

"Escrever nem uma coisa
Nem outra –
A fim de dizer todas –
Ou, pelo menos, nenhumas.

Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar –
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes."

Manoel de Barros. Poesia Completa. LeYa, 2013, p. 242

Sheeps

"I remember I used to despise sheep for being so profoundly stupid. I'd seen them eat and eat, I'd watched dogs outsmart whole flocks of them, I'd chased them and laughed at the way they ran, watched them get themselves into all sorts of stupid, tangled situations (...). It was years, and a long slow process, before I eventually realised what sheep really represented: not their own stupidity, but our power, our avarice and egotism.

After I'd come to understand evolution and know a little about history and farming, I saw that the thick white animals I laughed at for following each other around and getting caught in bushes were the product of generations of farmers as much as generations of sheeps; we made them, we moulded them from the wild, smart survivors that were their ancestors so that they would become docile, frightened, stupid, tasty wool-producers."

Iain Banks (1954-2013). The Wasp Factory (1984). London: Abacus, 2013, p. 192-3

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Indiferença

"[...] ocorrera-me a convicção de que no mundo, em qualquer canto, tudo tanto faz. Fazia muito tempo que eu vinha pressentindo isso, mas a plena convicção surgiu no último ano, assim, de repente. Senti de repente que para mim dava no mesmo que existisse um mundo ou que nada houvesse em lugar nenhum. Passei a perceber e a sentir com todo o meu ser que diante de mim não havia nada. No começo me parecia sempre que, em compensação, tinha havido muita coisa antes, mas depois intuí que antes também não tinha havido nada, apenas parecia haver, não sei por quê. Pouco a pouco me convenci de que também não vai haver nada jamais. Então de repente parei de me zangar com as pessoas e passei a quase nem notá-las. De fato, isso se manifestava até nas mínimas ninharias: estou, por exemplo, andando na rua e vou dando encontrões nas pessoas. E não era por andar mergulhado em pensamentos: sobre aquilo que eu tinha para pensar, já então cessara completamente de pensar: tudo me era indiferente. E se ao menos eu tivesse resolvido as questões; ah, não resolvi nenhuma, e quantas havia? Mas para mim tudo ficou indiferente, e as questões todas se afastaram."

Fiódor Dostoiévski (1821-1881). O Sonho de um Homem Ridículo (1877)

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Fragmentos da História de Pará de Minas



Um livro pelo qual tenho muito carinho é "Fragmentos da História de Pará de Minas", resultado de inúmeros encontros aos sábados, no Museu Histórico da cidade, de um grupo de professores e alunos do curso de História da FAPAM - Faculdade de Pará de Minas, mais a funcionária do Museu, Ana Maria Campos, entre 2002 e 2007, para pesquisar no rico acervo documental do município (inventários, testamentos, processos-crime, jornais etc. do século XIX e início do XX). São mais de 60 textos ricamente documentados sobre o nosso passado, em diferentes aspectos: economia, religião, escravidão, educação, criminalidade, cultura. Infelizmente, a obra está esgotada, mas há exemplares disponíveis para empréstimo na Biblioteca da FAPAM, na Biblioteca Pública Municipal de Pará de Minas e em várias bibliotecas de escolas públicas da cidade.

Meu sonho



"Em uma casa no Batel, em Curitiba, a Arte & Letra é editora, livraria e café. Pertence aos irmãos Thiago e Frede Tizzot. Os verbos mais conjugados por ali são vaguear, ler, beber, comer (um pedaço de torta). Comprar. Esbarrar. Espantar-se (com o nascimento do livro). 'Outro dia, o Frede estava na varanda fazendo as matrizes das xilogravuras da nossa coleção artesanal', conta Thiago. 'Os clientes paravam, olhavam, perguntavam e começavam a entender o processo até a edição pronta. É um envolvimento diferente com o objeto.' Ao trabalhar títulos de literatura que acham bons e merecem ser conhecidos, os livreiros ignoram sem remorso o que não se enquadra no critério. Fogem do comum, das listas de mais vendidos. A laboriosa curadoria inclui a confecção de uma revista literária. Entre os achados, contos de autores fora de catálogo ou nunca traduzidos no Brasil."

Viviane Zandonadi. Viveiro de livros. In: revista Vida Simples. Maio 2015, p. 41

Your room

"You returned to your room, to the loneliness of your room, that smallest of small rooms that sometimes drove you out in search of prostitutes, but it would be wrong to say you were unhappy there, for you had no trouble adjusting to your reduced circumstances, you found it invigorating to learn that you could get by on almost nothing, and as long as you were able to write, it made no difference where or how you lived."

Paul Auster (1947-). Winter Journal. London: faber and faber, 2012, p. 76

Aforismo

"Se possível, não devemos alimentar animosidade contra ninguém, mas observar bem e guardar na memória os procedimentos de cada pessoa, para então fixarmos o seu valor, pelo menos naquilo que nos concerne, regulando, assim, a nossa conduta e atitude em relação a ela, sempre convencidos da imutabilidade do caráter."

Arthur Schopenhauer (1788-1860). Aforismos para a sabedoria de vida

Writing

"Spartan surroundings, yes, but surroundings have never been of any importance as far as your work is concerned, since the only space you occupy when you write your books is the page in front of your nose, and the room in which you are sitting, the various rooms in which you have sat these forty-plus years, are all but invisible to you as you push your pen across the page of your notebook or transcribe what you have written onto a clean page with your typewriter, the same machine you have been using since your return from France in 1974, an Olympia portable you bought secondhand from a friend for forty dollars – a still functioning relic that was built in a West German factory more than half a century ago and will no doubt go on functioning long after you are dead. The number of your studio apartment pleased you for its symbolic aptness. 1-I, meaning the single self, the lone person sequestered in that bunker of a room for seven or eight hours a day, a silent man cut off from the rest of the world, day after day sitting at his desk for no other purpose than to explore the interior of his own head."

Paul Auster (1947-). Winter Journal. London: faber and faber, 2012, p. 106-7

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Sossego

"Demoro a aprender
que a linha reta é puro desconforto.
Sou curva, mista e quebrada,
sou humana. Como o doido,
bato a cabeça só pra gozar a delícia
de ver a dor sumir quando sossego."

Adélia Prado (1935-). Branca de neve. In: Miserere. Rio de Janeiro: Record, 2013, p. 10

Morangos mofados



"...é daquele emaranhado cheio de dor e angústia fria e solidão escura que ela arranca essa beleza que joga para fora." (p. 119)

"Mas sabes principalmente, com uma certa misericórdia doce por ti, por todos, que tudo passará um dia, quem sabe tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa. Por trás de todos os artifícios, só não saberás nunca que neste exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva." (p. 114)

"Quase a noite inteira, um podia ver a brasa acesa do cigarro do outro, furando o escuro feito um demônio de olhos incendiados." (p. 141)

"Pelas tardes poeirentas daquele resto de janeiro, quando o sol parecia a gema de um enorme ovo frito no azul sem nuvens do céu, ninguém mais conseguiu trabalhar em paz na repartição. Quase todos ali dentro tinham a nítida sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram." (p. 142)

"Um tranquilizante levinho levinho aí umas cinco miligramas, que o senhor tome três por dia, ao acordar, após o almoço, ao deitar-se, olhos vidrados, mente quieta, coração tranquilo, sístole, pausa, diástole, pausa, sístole, pausa, diástole, sem vãs taquicardias, freio químico nas emoções. Assim passaria a movimentar-se lépido entre malinhas 007, paletós cardin, etiquetas fiorucci, suavemente drogado, demônios suficientemente adormecidos para não incomodar os outros. Proibido sentimentos, passear sentimentos, passear sentimentos desesperados de cabeça para baixo, proibido emoções cálidas, angústias fúteis, fantasias mórbidas e memórias inúteis, um nirvana da bayer e se é bayer. Suspirou, suspirava muito ultimamente, apanhou a receita, assinou um cheque com fundos, naturalmente, e saiu antes de ouvir um delicado porque, afinal, o senhor ainda é tão jovem." (p. 146-7)

"Feito febre, baixava às vezes nele aquela sensação de que nada daria jamais certo, que todos os esforços seriam para sempre inúteis, e coisa nenhuma de alguma forma se modificaria. Mais que sensação, densa certeza viscosa impedindo qualquer movimento em direção à luz. E além da certeza, a premonição de um futuro onde não haveria o menor esboço de uma espécie qualquer não sabia se de esperança, fé, alegria, mas certamente qualquer coisa assim.

Eram dias parados, aqueles. Por mais que se movimentasse em gestos cotidianos – acordar, comer, caminhar, dormir –, dentro dele algo permanecia imóvel. Como se seu corpo fosse apenas a moldura do desenho de um rosto apoiado sobre uma das mãos, olhos fixos na distância. Ausentou-se, diriam ao vê-lo, se o vissem. E não seria verdade. Nesses dias, estava presente como nunca, tão pleno e perto que estava dentro do que chamaria – tivesse palavras, mas não as tinha ou não queria tê-las – vaga e precisamente de: A Grande Falta." (p. 71)

Caio Fernando Abreu (1948-1996). Morangos mofados (1982). 9ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995