"[...] ocorrera-me a convicção de que no mundo, em qualquer canto,
tudo tanto faz. Fazia muito tempo que eu vinha pressentindo isso, mas a
plena convicção surgiu no último ano, assim, de repente. Senti de
repente que para mim dava no mesmo que existisse um mundo ou que nada
houvesse em lugar nenhum. Passei a perceber e a sentir com todo o meu
ser que diante de mim não havia nada. No começo me parecia sempre que,
em compensação, tinha havido muita coisa antes, mas depois intuí
que antes também não tinha havido nada, apenas parecia haver, não sei
por quê. Pouco a pouco me convenci de que também não vai haver nada
jamais. Então de repente parei de me zangar com as pessoas e passei a
quase nem notá-las. De fato, isso se manifestava até nas mínimas
ninharias: estou, por exemplo, andando na rua e vou dando encontrões nas
pessoas. E não era por andar mergulhado em pensamentos: sobre aquilo
que eu tinha para pensar, já então cessara completamente de pensar: tudo
me era indiferente. E se ao menos eu tivesse resolvido as questões; ah,
não resolvi nenhuma, e quantas havia? Mas para mim tudo ficou
indiferente, e as questões todas se afastaram."
Fiódor Dostoiévski (1821-1881). O Sonho de um Homem Ridículo (1877)
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