Pulando os degraus de dois em dois, o jovem Teo subia quente o morro da Penha, onde morava com a mãe e três irmãos pequenos. Pai ele não tinha. Nem sabia o nome. De vez em quando aparecia um pretendente, um fodido na vida que se instalava no barraco com sua tralha, mas só ficava uma ou duas semanas – tempo mais do que suficiente para ver o tamanho da encrenca em que se metera e sair, esmurrando portas e mandando mãe e filhos para as putas que os pariram, para nunca mais voltar.
Teo bufava de alegria e cansaço. Parecia um touro satisfeito. Queria chegar logo em casa para contar o dinheiro. Seiscentas pratas limpinhas. Ralou muito para conseguir juntar. Lavou carro, engraxou sapato, vendeu picolé e todo domingo ia para a feira ajudar na barraca de acarajé da negra Eulália, uma baiana que de baiana não tinha nada, nem a roupa, comprada de segunda mão no bazar das putas, no alto do morro.
Teo entrou correndo em casa. A mãe surrava um dos moleques, que gritava sem parar, com a bunda já cheia de vergões vermelhos da vara de marmelo arrancada às pressas no quintal do vizinho (se é que podemos chamar de quintal dois metros quadrados de terra encharcada de esgoto fedendo a merda vinte e quatro horas por dia).
Teo nem ligou. Entrou no quartinho que dividia com os irmãos, e de dentro de um buraco que ele mesmo havia cavado no chão de terra batida, atrás do guarda-roupa, tirou um saco plástico todo amarrotado. Seu dinheiro estava lá, dobradinho. Cinco notas de cem. Às quais, satisfeito, ele acrescentou outra novinha. Quem trocava para ele era o dono de uma padaria no centro. Moedas e notas miúdas por uma nota de cem. Levou quase dois anos para conseguir as seis. Teria conseguido em um ano se não tivesse que ajudar nas despesas de casa. Mas...
Mas ali estavam elas. E ele sentia o seu cheiro, tocava-as levemente com os lábios, acariciava-as, os olhos brilhando de contentamento.
E com a mesma alegria com que subira minutos antes, ele desceu, correndo, pulando de dois em dois, de três em três, os degraus imundos e escalavrados do morro da Penha. Nem sentia que estava no morro. Parecia nas nuvens. E em menos de meia hora já estava na loja experimentando o tênis.
Era o seu sonho aquele tênis. Todos os dias ele passava ali para se certificar de que o preço continuava 599 reais. Respirava aliviado quando via que sim, pois tivera que adiar a compra duas vezes em um ano por causa dos aumentos. Quando o Ronaldinho começou a aparecer na televisão usando-o, o preço pulou de 470 para 550 reais em um dia. Foi um choque para Teo. “Mas é o Ronaldinho”, pensara ele na época, triste pelos meses a mais de ralação que aquilo significaria, mas ao mesmo tempo feliz pelo fato de alguém tão importante para o Brasil colocar nos pés (e que pés!) o objeto de seus sonhos.
Ficou quarenta minutos se olhando no espelho da loja, maravilhado. (É que no barraco não tinha espelho de corpo inteiro e ele queria aproveitar). Enquanto isso o dono da loja mantinha o dedo encostado no botão do alarme, pronto para apertá-lo a qualquer momento, se precisasse.
Mas não foi preciso. Teo pagou pelo par de tênis (em dinheiro e à vista) e foi embora, feliz da vida.
Voltou para o barraco, sentindo-se um rei, o dono do pedaço. Na subida reparou os olhares de respeito e admiração quando cruzava com amigos e conhecidos. Estava muito feliz.
Ele era importante.
Ele era alguém...
Flávio Marcus da Silva
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