sábado, 6 de agosto de 2011

A Hora da Estrela

Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.

(...)

Silêncio.

Se um dia Deus vier à terra haverá silêncio grande.

O silêncio é tal que nem o pensamento pensa.

O final foi bastante grandiloquente para a vossa necessidade? Morrendo ela virou ar. Ar enérgico? Não sei. Morreu em um instante. O instante é aquele átimo de tempo em que o pneu do carro correndo em alta velocidade toca no chão e depois não toca mais e depois toca de novo. Etc., etc., etc. No fundo ela não passara de uma caixinha de música meio desafinada.

Eu vos pergunto:

- Qual é o peso da luz?



E agora - agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas - mas eu também?!

Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.

Sim.

Clarice Lispector, A Hora da Estrela (1977). 6ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981, p. 29/p.103-4

Um comentário:

Carmélia Cândida disse...

Flávio, estamos com o filme sobre o livro em casa. Se não tiver assistido e quiser assistir, emprestamos, tá?
Abraço!