É dia de festa em casa do general. Explicou Jandira, a cozinheira, que sua excelência faz anos; e concluo eu que os mimos e as flores que incessantemente chegam ao portão do general-ministro vêm dos empreiteiros em dificuldades e dos fornecedores esperançosos.
Logo pela manhã, vi chegar o primeiro portador com uma vistosa cesta de flores. Havia para mais de cinquenta rosas. Depois, no correr do dia, chegaram dálias, gladíolas, estrelícias, gérberas e agapantos. Ao anoitecer, chegou ainda uma comionete carregada de rosas. (...)
O general, quando chegar, dirá com prazer: "Bonita cesta"; mas não verá as rosas, não saberá que têm nomes, (...) e muito menos saberá que elas dançam, lentissimamente, dentro da noite. Sua excelência, vendo o cesto, o conjunto, o aglomerado, não vê as rosas; como também não vê os rostos, não adivinha os nomes, não suspeita as aflições, os segredos, quando vê a praça apinhada de gente, nos dias de vibração cívica, do alto do palanque presidencial. A praça cheia de gente é também uma cesta, um mimo para seus olhos de ministro.
Agora, na intimidade, o general é um demagogo de rosas. Recebe-as aos montes, em comissões, em manifestações coletivas. E a impudicícia das flores ainda me parece mais chocante do que a dos míseros papalvos que se apinham em torno do palanque. Vejam aquelas estrelícias, complicadas e pedantes, como se alçam, como se torcem, para agradar ao homem de Estado! Vejam os agapantos: parece que empurram um deles, magricela, espevitado e melancólico, para saudar o homem de prestígio. É o orador da turma. "Nós, os agapantos desta cidade maravilhosa..." E as dálias? Oferecidas, inchadas, pavoneiam-se nas cestas para que a mão gorda do ministro vá buscar, no colo delas, o cartão do galante empreiteiro. E as próprias rosas, as pérfidas! Enchem o ar de perfume. Qual é a relação que pode existir entre a lisonja de um fornecedor e o perfume das rosas?
Disse eu que o general, não vendo as rosas, via a cesta? Disse mal. Ele não vê a cesta, como não vê as rosas. O próprio conjunto arrumado na cesta não tem existência própria, significação própria. É um sinal. Pertence à categoria dos telegramas, dos distintivos e das condecorações. É um mero sinal. Poderiam os áulicos enviar o recibo estampilhado com o preço das flores, e o efeito seria o mesmo. Porque não é a flor, nem o monte, nem o arranjo, nem a combinação de cores nem o capricho das pétalas que o general apreende quando lhe trazem o presente. Não. O que ele vê, na transparência do sinal, é a subserviência. Atrás da rosa estão as espinhas encurvadas, os sorrisos subalternos. No perfume das flores, o incenso da lisonja interesseira e abjeta. É isso que o ministro vê naquele luxo de pétalas e de cores. É a esperteza, a hipocrisia, a elementar astúcia do bajulador.
Mas se assim é, como se explica a satisfação do homem de Estado diante de tão feio espetáculo? Ele sabe, evidentemente, e até por experiência própria, que a bajulação é uma coisa feia, uma coisa abjeta. Melhor do que ninguém o homem de Estado conhece o exato valor da lisonja. Como se pode então compreender seu gordo sorriso satisfeito diante de tão repugnante significação que as rosas escondem?
Creio que poderei explicar o fenômeno com mais uma retificação. Disse há pouco que o ministro vê atrás das flores os sorrisos da subserviência. Corrijo agora. Não. Ainda não é aí, nas figuras dos empreiteiros e fornecedores que se detém o olhar satisfeito do aniversariante poderoso. A bajulação é também um sinal. Sinal em segunda instância, ainda não é aí que descansa o olhar do general. Não. O que ele vê nesse jogo de espelhos, rosas aqui, fornecedores acolá, é a sua própria importância, a sua própria face, a grande, a única realidade, em torno da qual o mundo inteiro é uma enorme moldura.
Gustavo Corção, Lições de abismo. Rio de Janeiro, Agir, 2004, p. 85-86. (1ª ed.: 1950).
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