O jovem deu-se conta de uma notável mudança no comportamento de seu companheiro desde os tempos do acampamento à beira do rio. Ele já não parecia estar a todo momento medindo sua bravura. Não mais se enfurecia com pequenas palavras que lhe espetassem a autoestima. Já não era um jovem praça gritalhão. Envolto numa perfeita segurança, demonstrava agora uma fé serena em seus propósitos e habilidades. Essa firmeza interior lhe permitia, naturalmente, ficar indiferente às pequenas alfinetadas que os outros lhe dirigiam.
O jovem refletia. Estava acostumado a pensar no companheiro como em um meninote espalhafatoso, dono de uma audácia advinda da inexperiência, impulsivo, teimoso, ciumento e cheio de uma coragem de latão. Um bebê cambaleante acostumado a marchar com autoridade em seu próprio jardim. O jovem se perguntava de onde teria surgido esse novo olhar, em que momento o colega fizera a grande descoberta de que muita gente se recusaria a se submeter a ele. Agora, aparentemente, o outro tinha chegado ao pico da sabedoria, onde se via como algo muito pequeno. E o jovem percebeu que dali em diante, e para sempre, seria mais fácil viver pelas cercanias do amigo. [p.142-3]
(...)
Lembrou-se do modo como alguns tinham corrido da batalha. Recordando suas expressões contorcidas de terror, sentiu desprezo. Era evidente que se tinham portado de modo muito mais espaventado e frenético do que o absolutamente necessário. Eram frágeis mortais. Quanto a ele, soubera fugir com dignidade e discrição. [p.148]
(...)
Após esse incidente, passando em revista as cenas de batalha que presenciara, sentia-se perfeitamente apto a voltar para casa e aquecer corações com suas histórias de guerra. Via-se numa sala em tons cálidos, contando casos para uma plateia atenta. Teria lauréis para mostrar. Eram insignificantes, talvez, mas num lugarejo em que as glórias eram raridade, era bem possível que brilhassem. [p.149]
Stephen Crane, O emblema vermelho da coragem. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2010.
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