Todo semestre, na faculdade, é a mesma coisa: os formandos combinam com os coordenadores de curso que só vão começar a bagunça no intervalo (“para não prejudicar os outros alunos”, explicam os coordenadores, “que estarão fazendo prova ou tendo as últimas aulas do semestre”), mas raramente cumprem o combinado. Muito antes do intervalo, eles começam a soprar apitos e cornetas com toda a força de seus pulmões, tornando impossível a continuidade de qualquer atividade nas salas próximas às suas; e em seguida começam a circular pelos corredores da faculdade ao som dos mesmos apitos e cornetas, enquanto, do lado de fora, explodem os foguetes. Se um professor, coordenador ou outro funcionário reclamar, na maioria das vezes os formandos ignoram os apelos, são irônicos, desrespeitosos e continuam a comemorar.
Não sou contra as comemorações dos formandos (embora eu ache que eles deveriam encontrar alguma coisa mais criativa para fazer nesse dia do que simplesmente circular pelos corredores tocando apitos e cornetas). Eu não concordo é com o desrespeito aos direitos dos outros alunos e professores que estão em aula ou em avaliação – muitos alunos, inclusive, já foram prejudicados nos resultados das provas de final de semestre pelas confusões nos corredores e foguetes. Quando são formandos em Direito, então, a contradição é ainda mais marcante. Terminar um curso de Direito desrespeitando os direitos dos outros? Não pega bem.
Mas o que mais me incomoda é a “solenidade” de formatura. Coloquei a palavra “solenidade” entre aspas porque aquilo para mim pode ser tudo, menos uma solenidade. A palavra solenidade, no dicionário, é definida assim: “Formalidades que tornam importante um fato”. No caso da formatura no Ensino Superior, o fato importante é a conclusão daquele curso com sucesso, permitindo ao formando o exercício de uma profissão, reconhecida pela sociedade. É, ao mesmo tempo, um rito de passagem que simboliza um novo começo, uma nova vida.
Infelizmente, na maioria das cerimônias de formatura da atualidade, o formalismo deu lugar à bagunça; e o rito, que deveria simbolizar o início de uma trajetória profissional ancorada em valores como a ética e o respeito ao próximo, parece querer simbolizar justamente o contrário: o desrespeito, a ausência de certo e errado, o “tudo pode”.
Familiares e amigos dos formandos entram no auditório ou salão com faixas, bandeiras, apitos, cornetas, tambores, confetes, e com todo esse material em mãos, desde o início da cerimônia, fazem uma verdadeira arruaça (um batuque ensurdecedor que não deve nada a um ensaio de escola de samba, daqueles bem desorganizados). Não deixam ninguém falar, interrompem todo mundo, e as autoridades sentadas à mesa mais parecem seres extraterrestres, objetos decorativos fora do lugar, no ambiente errado, o que faz com que a maioria delas se sinta ridícula, como se uma força superior as empurrasse para os bastidores, para trás das cortinas – sensação que fica ainda mais forte quando alguns formandos dirigem a elas olhares de desprezo e/ou ironia, a maioria das vezes acompanhados por sorrisos zombeteiros que parecem querer dizer: “Bem feito para você. Está aí ‘pagando mico’ na frente de todo mundo, com esse sorrisinho sem graça (ou ar superior – vai depender da autoridade), fingindo que está gostando da baderna só para não pegar mal (ou sentindo-se muito acima de nós e doido para ir embora), não é?”.
Com muita propriedade, o advogado Jorge Ferreira Filho chamou, em um artigo recente, essas solenidades de “Solenidades de (Des)formatura”. A ele preocupa o fato de que muitas instituições de Ensino Superior do Brasil têm se empenhado mais em “informar” do que em “formar” (construir um cidadão apto à moderna sociedade democrática de direito, capaz de refletir e analisar a realidade e construir conhecimento visando ao bem da coletividade): “O aluno passou a ser um consumidor – um centro de direitos. O professor transformado num ‘Sílvio Santos’ – aquele que deve agradar a platéia; dar à platéia o que ela quer e não o que ela precisa receber”.
Será que é isso? Será que falta formação cidadã a esses alunos que transformam uma solenidade de formatura em ensaio de escola de samba? Será que temos que repensar nossa postura enquanto educadores e gestores da Educação?
Flávio Marcus da Silva
Publicado originalmente na minha coluna Crônicas de um patafufo, no site GRNews, em 13 de julho de 2010
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