Fui contratado para o que eles chamam de bola-extra. O bola-extra era o cara que fazia de tudo sem ter, ao mesmo tempo, nenhuma atividade específica. Ele devia saber o que fazer após consultar uma espécie profunda e infalível de sexto sentido. Instintivamente, esse cara devia saber como manter as coisas funcionando de modo natural, o que era melhor para a empresa, a Mãe de todos, e suprir-lhe todas as pequenas necessidades que eram irracionais, contínuas e insignificantes.
Um bom bola-extra não tem face nem sexo e deve estar disposto a se sacrificar pela causa. Está sempre esperando junto à porta, antes mesmo do primeiro homem chegar. Logo deve lavar a calçada, cumprimentando cada pessoa pelo nome à medida que elas chegam, sempre trazendo no rosto um sorriso brilhante e encorajador. Reverente. Isso fará com que todos se sintam melhores antes que as engrenagens do moedor comecem a funcionar. Ele verifica se os papéis higiênicos estão em ordem, principalmente no banheiro feminino. Os cestos nunca devem estar cheios. As janelas não podem estar encardidas. Os pequenos reparos são prontamente feitos em mesas e cadeiras. Nada de portas que não abram facilmente. Nenhum tapete enrugado. Jamais deixar uma mulher bem-alimentada e forte ficar sobrecarregada por um pacotinho qualquer.
Eu não era muito bom nisso. Minha idéia era vagar por aí sem fazer nada, evitando sempre cruzar com o chefe, além dos puxa-sacos que poderiam me denunciar. Eu não era tão esperto assim. Agia mais por instinto do que qualquer outra coisa. Sempre iniciava um trabalho com a sensação de que, assim que eu o terminasse, seria demitido, e isso me deu um ar tranqüilo, que era facilmente confundido com inteligência ou algum poder secreto.
Era um comércio de roupas auto-suficiente e auto-abastecido, combinando fábrica e venda no atacado. O mostruário, os produtos finalizados e os vendedores ficavam todos no primeiro andar, enquanto a fábrica funcionava no segundo. A fábrica era um labirinto de passarelas e passagens que nem mesmo os ratos conseguiam vencer, longas e estreitas galerias onde homens e mulheres trabalhavam sob lâmpadas de trinta watts, inclinados, movendo os pedais, costurando, sem jamais erguer os olhos ou trocar uma palavra, curvos e calados, trabalhando incessantemente.
(...)
No meu primeiro dia, andei entre o labirinto de máquinas de costura olhando para as pessoas. Diferentemente de Nova York, a maioria dos trabalhadores era formada de negros. Aproximei-me de um negro, bem pequeno - quase anão -, que tinha um rosto mais agradável que os outros. Ele fazia algum trabalho de acabamento, com uma agulha. Eu tinha uma garrafinha no bolso.
- Seu trabalho é de matar. Vai um trago?
- Claro - ele disse.
Tomou um bom gole. Então devolveu a garrafa. Ofereceu-me um cigarro.
- Você é novo na cidade.
- Sim.
- De onde veio?
- Los Angeles.
- Um astro de cinema.
- Sim, de férias.
- Não devia estar falando com um costureiro.
- Eu sei.
Ele ficou em silêncio (...).
- Me chamo Henry - eu disse.
- Brad - ele respondeu.
- Escute, Brad, fico muito, mas muito deprimido vendo vocês trabalharem. Que tal se eu cantar uma música pra vocês?
- Não.
- Esse trabalho aqui é pavoroso. Por que você segue com isso?
- Porra, não tenho escolha.
- O Senhor disse que há!
- Você acredita no Senhor?
- Não.
- No que você acredita?
- Em nada.
- Então estamos quites.
Charles Bukowski, Factótum (1975). Porto Alegre, L&PM, 2009, pp. 109-112.
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