Chico precisava ter cuidado. A tal "harpa melodiosa" citada por sua mãe [referindo-se à sua mediunidade] poderia enferrujar-se se ele cedesse à ambição ou ao orgulho. Para evitar o perigo, começou a castigar o próprio ego com golpes diários e contundentes. A autoflagelação partia de um pressuposto simples: ele não era nada, os benfeitores espirituais eram tudo e um pouco mais.
O segredo do sucesso: abrir mão de si mesmo. "Aquele que quiser ser o maior que se faça o servidor de todos", lia no Evangelho. E acatava.
Em sua campanha antivaidade, Chico criou, ao longo da vida, alguns slogans para se defender dos elogios. "Sou apenas Cisco Xavier" era um deles. Ele fazia questão de proclamar a própria "absoluta insignificância". Afinal de contas, era um "servidor quase inútil da doutrina espírita", "o mais pequenino de todos", "um nada", "mais imperfeito que os outros". A lista de metáforas autodepreciativas cresceria a cada ano. Chico se apresentaria como um graveto que se confunde com o pó, um animal em serviço, uma besta encarregada de transportar documentos dos espíritos, uma tomada entre dois mundos. Nenhuma das frases de efeito afastava os devotos e os bajuladores.
Um dia, diante de uma mulher quase de joelhos a seus pés, ele apelou:
- Não me elogie assim. É desconcertante. Não passo de um verme no mundo.
No mesmo instante, ouviu a voz de Emmanuel [seu guia espiritual]:
- Não insulte o verme. Ele funciona, ativo, na transmutação dos detritos da terra, com extrema fidelidade ao papel de humilde e valioso servidor da natureza. Ainda nos falta muito para sermos fiéis a Deus em nossa missão.
Daí em diante, Chico preferiu se definir, de vez em quando, como subverme. (p. 70-71)
O padre Júlio Maria, da cidade mineira de Manhumirim, estava disposto a providenciar uma camisa-de-força para o espírita de Pedro Leopoldo. Todo mês, ele escrevia artigos no jornal local, O Lutador, e fazia o favor de enviar suas opiniões pelo correio ao autor de Parnaso de Além-Túmulo. Em nome de Jesus Cristo, os textos excomungavam o espiritismo, reduziam a pó a reencarnação e à piada o porta-voz dos poetas mortos no Brasil. "Francisco Cândido Xavier deve ter pele de rinoceronte para suportar tantos espíritos", escreveu num de seus manifestos.
Chico ficou engasgado e precisou da ajuda de Emmanuel para engolir o comentário.
- Se você não tem pele de rinoceronte, precisa ter, porque, se cultivar uma pele muito frágil, cairá sempre com qualquer alfinetada.
O padre Júlio Maria espetou Chico Xavier durante treze anos. Só parou quando morreu. E, nesse dia, Chico ouviu o vozeirão de seu guia:
- Vamos orar pelo nosso irmão Júlio Maria. Com ele sempre tivemos um cooperador maravilhoso. Dava-nos coragem na luta e concitava-nos a trabalhar.
A cada ataque dos céticos, Chico escutava Emmanuel bater na mesma tecla:
- Não te aflijas com os que te atacam. O martelo que atormenta o prego com pancadas o faz mais seguro e mais firme.
O conselheiro invisível esquecia que martelos também entortam pregos.
Chico sentia os golpes e andava pela cidade arqueado, sob o peso da desconfiança alheia. (p. 54-55)
Marcel Souto Maior, As vidas de Chico Xavier. 2. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2003 (p. 54-55; p. 70-71)
Em sua campanha antivaidade, Chico criou, ao longo da vida, alguns slogans para se defender dos elogios. "Sou apenas Cisco Xavier" era um deles. Ele fazia questão de proclamar a própria "absoluta insignificância". Afinal de contas, era um "servidor quase inútil da doutrina espírita", "o mais pequenino de todos", "um nada", "mais imperfeito que os outros". A lista de metáforas autodepreciativas cresceria a cada ano. Chico se apresentaria como um graveto que se confunde com o pó, um animal em serviço, uma besta encarregada de transportar documentos dos espíritos, uma tomada entre dois mundos. Nenhuma das frases de efeito afastava os devotos e os bajuladores.
Um dia, diante de uma mulher quase de joelhos a seus pés, ele apelou:
- Não me elogie assim. É desconcertante. Não passo de um verme no mundo.
No mesmo instante, ouviu a voz de Emmanuel [seu guia espiritual]:
- Não insulte o verme. Ele funciona, ativo, na transmutação dos detritos da terra, com extrema fidelidade ao papel de humilde e valioso servidor da natureza. Ainda nos falta muito para sermos fiéis a Deus em nossa missão.
Daí em diante, Chico preferiu se definir, de vez em quando, como subverme. (p. 70-71)
O padre Júlio Maria, da cidade mineira de Manhumirim, estava disposto a providenciar uma camisa-de-força para o espírita de Pedro Leopoldo. Todo mês, ele escrevia artigos no jornal local, O Lutador, e fazia o favor de enviar suas opiniões pelo correio ao autor de Parnaso de Além-Túmulo. Em nome de Jesus Cristo, os textos excomungavam o espiritismo, reduziam a pó a reencarnação e à piada o porta-voz dos poetas mortos no Brasil. "Francisco Cândido Xavier deve ter pele de rinoceronte para suportar tantos espíritos", escreveu num de seus manifestos.
Chico ficou engasgado e precisou da ajuda de Emmanuel para engolir o comentário.
- Se você não tem pele de rinoceronte, precisa ter, porque, se cultivar uma pele muito frágil, cairá sempre com qualquer alfinetada.
O padre Júlio Maria espetou Chico Xavier durante treze anos. Só parou quando morreu. E, nesse dia, Chico ouviu o vozeirão de seu guia:
- Vamos orar pelo nosso irmão Júlio Maria. Com ele sempre tivemos um cooperador maravilhoso. Dava-nos coragem na luta e concitava-nos a trabalhar.
A cada ataque dos céticos, Chico escutava Emmanuel bater na mesma tecla:
- Não te aflijas com os que te atacam. O martelo que atormenta o prego com pancadas o faz mais seguro e mais firme.
O conselheiro invisível esquecia que martelos também entortam pregos.
Chico sentia os golpes e andava pela cidade arqueado, sob o peso da desconfiança alheia. (p. 54-55)
Marcel Souto Maior, As vidas de Chico Xavier. 2. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2003 (p. 54-55; p. 70-71)