sexta-feira, 17 de julho de 2009

A elegância do ouriço

"Às terças e às quintas, Manuela, minha única amiga, toma chá comigo na minha casa. Manuela é uma mulher simples cuja elegância não foi despojada pelos vinte anos desperdiçados à cata de poeira na casa dos outros. [...] Convém saber que, quando vai à minha casa [...] Manuela já limpou com cotonetes as latrinas folheadas a ouro e que, apesar disso, são tão sujas e fedorentas como todas as privadas do mundo, pois, se existe algo que os ricos dividem a contragosto com os pobres, são os intestinos nauseabundos, que sempre acabam se livrando em algum lugar daquilo que os faz feder".

"[...] Aliás, ninguém imagina Manuela usando um mata-moscas pela simples razão de que nunca tem mosca nos apartamentos dos ricos. Nem mosca, nem sífilis, nem maus cheiros, nem segredos de família. Entre os ricos, tudo é limpo, saudável e, por conseguinte, preservado da tirania dos mata-moscas e do opróbrio público".

"O único interesse dos gatos é que são objetos decorativos móveis, um conceito que acho intelectualmente interessante mas que não se aplica aos nossos por terem a barriga grande demais".

"[...] Os homens vivem num mundo em que são as palavras, e não os atos, que têm poder, em que a competência última é o domínio da linguagem. É terrível, porque na verdade somos uns primatas programados para comer, dormir, nos reproduzir, conquistar e tornar seguro nosso território, e os mais dotados para isso, os mais animais entre todos nós, são sempre passados para trás pelos outros, por esses que falam bem, quando, na realidade, seriam incapazes de defender seu jardim, de trazer um coelho para o jantar ou de procriar corretamente. Os homens vivem num mundo em que são os fracos que dominam. É uma injúria terrível à nossa natureza animal, um gênero de perversão, de contradição profunda".

No original:

Les hommes vivent dans un monde où ce sont les mots et non les actes qui ont du pouvoir, où la compétence ultime, c'est la maîtrise du langage. C'est terrible, parce que, au fond, nous sommes des primates programmés pour manger, dormir, nous reproduire, conquérir et sécuriser notre territoire et que les plus doués pour ça, les plus animaux d'entre nous, se font toujours avoir par les autres, ceux qui parlent bien alors qu'ils seraient incapables de défendre leur jardin, de ramener un lapin pour le dîner ou de procréer correctement. Les hommes vivent dans un monde où se sont les faibles qui dominent. C'est une injure terrible à notre nature animale, un genre de perversion, de contradiction profonde.


Muriel Barbery, L'élégance du hérisson

O filme foi lançado na França em 03 de julho de 2009: Clique aqui

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