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De repente, lá estava eu na Times Square. Tinha viajado doze mil quilômetros pelo continente americano e estava de volta à Times Square; e ainda por cima bem na hora do rush, observando com os meus inocentes olhos de estradeiro a loucura completa e o zunido fantástico de Nova York com seus milhões e milhões de habitantes atropelando uns aos outros sem cessar em troca de uns tostões, um sonho maluco - pegando, agarrando, entregando, suspirando, morrendo, e assim poderiam ser enterrados naquelas horrendas cidades-cemitério que ficam além de Long Island (p. 139-40).
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Certa vez, Carlo Marx e eu nos sentamos frente a frente em duas cadeiras, joelho contra joelho, e eu lhe contei um sonho que tivera, com uma estranha figura árabe que me perseguia através do deserto; uma figura da qual eu tentava escapar mas que finalmente me alcançava pouco antes de chegar à Cidade Protetora. "Quem era"?, perguntou Carlo. Refletimos. Sugeri que talvez fosse eu mesmo vestindo um manto. Não era isso. Algo, alguém, algum espírito nos perseguia, a todos nós, através do deserto da vida, e estava determinado a nos apanhar antes que alcançássemos o paraíso. Naturalmente, agora que reflito sobre isso, trata-se apenas da morte: a morte vai nos surpreender antes do paraíso. A única coisa pela qual ansiamos em nossos dias de vida, e que nos faz gemer e suspirar e nos submetermos a todos os tipos de náuseas singelas, é a lembrança de uma alegria perdida que provavelmente foi experimentada no útero e que somente poderá ser reproduzida (apesar de odiarmos admitir isso) na morte (p. 159).
Jack Kerouac, On the Road - Pé na Estrada, Porto Alegre: L&PM, 2009 (Primeira edição em inglês: 1957)
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