Eu queria ir para o norte da Europa ou para o Canadá explorar lagos misteriosos e profundos com câmeras, sonares e iscas de arenque em gaiolas, para encontrar monstros.Mas se eu pelo menos me encontrasse, já ficaria satisfeito.
"Um elixir cultural para almas sequiosas, este blog: literatura, cinema, história-estória... Uma seleção realizada com tanto esmero e bom gosto que já tornou-se vital a ingestão de goles diários desta rica tela". Comentário ao Post Ventre Feroz
Trechos de uma entrevista concedida à Revista Veja pelo sociólogo Simon Schwartzman (Editora ABRIL, edição 2059 - ano 41 - n. 18 - 07 de maio de 2008):
Uma música brasileira realmente muito bonita. Mexeu comigo.
"Oh, cara! cara! cara!", balbuciou Dean. "E isso não é nem o começo - e agora finalmente estamos juntos indo para o Leste, nunca tínhamos ido para o Leste juntos, Sal, pensa nisso, vamos curtir Denver juntos e ver o que todos estão fazendo, mesmo que isso não nos interesse muito, a questão é que nós sabemos o que AQUILO significa e sacamos a VIDA e sabemos que tudo está ÓTIMO." Depois, me puxando pela manga, e suando horrores, ele me segredou: "Agora saca só esse pessoal aí na frente. Estão preocupados, contando os quilômetros, pensando em onde irão dormir essa noite, quanto dinheiro vão gastar em gasolina, se o tempo estará bom, de que maneira chegarão onde pretendem - e quando terminarem de pensar já terão chegado onde queriam, percebe? Mas parece que eles têm que se preocupar e trair suas horas, cada minuto e cada segundo, entregando-se a tarefas aparentemente urgentes, todas falsas; ou então a desejos caprichosos puramente angustiados e angustiantes, suas almas realmente não terão paz a não ser que se agarrem a uma preocupação explícita e comprovada, e tendo encontrado uma, assumem expressões faciais adequadas, graves e circunspectas, e seguem em frente, e tudo isso não passa, você sabe, de pura infelicidade, e durante todo esse tempo a vida passa voando por eles e eles sabem disso, e isso também os preocupa num círculo vicioso que não tem fim. Escuta só: 'Bem, agora'", imitou ele, "'não sei, talvez devêssemos parar para encher o tanque de gasolina ali naquele posto. Li recentemente no National Petroffious Petroleum News que esse tipo de gasolina tem grande quantidade de O-Octane e alguém já me falou que ela até possui um aditivo semi-oficial de alta potência e quem sabe... bem, não sei se deveríamos, acho que talvez...'. Cara, você também saca tudo isso". (p. 257-58)
Perambulei catando baganas nas calçadas. Cruzei por um boteco na rua Market e a mulher que estava lá dentro me lançou um olhar terrível enquanto eu passava; era a proprietária, aparentemente ela pensou que eu fosse entrar ali armado de pistola e assaltar o botequim. Caminhei um pouco mais. Subitamente me ocorreu que ela tinha sido minha mãe uns duzentos anos atrás na Inglaterra e eu, seu filho salteador, retornando do cárcere para assombrar seu honesto ganha-pão na taverna. Enregelado pelo êxtase, estanquei na calçada. Olhei para a rua. Não conseguia saber se era mesmo a Market ou a rua do Canal em Nova Orleans; afinal ela ia dar na água, água ambígua e universal, exatamente como a rua 42 em Nova York, que também leva em direção à água, de modo que você nunca sabe bem onde está. Pensei no fantasma de Ed Dunkel se arrastando pela Times Square. Eu delirava. Quis voltar e dar uma espiada na minha estranha mãe dickensiana no boteco. Eu tremia da cabeça aos pés. Era como se um pelotão inteiro de memórias me conduzisse de volta a 1750, na Inglaterra, só que agora eu estava em São Francisco, em outra vida, noutro corpo. "Não", parecia gritar aquela mulher, com seu olhar aterrorizado, "não volte para atormentar sua mãe honesta e trabalhadora. Você já não é mais meu filho, assim como seu pai, meu primeiro marido. Aqui, esse grego generoso se apiedou de mim" (o proprietário era um grego de braços peludos). "Você é mau, com tendências à baderna e à bebedeira e, o que é pior, ao roubo infame dos frutos do meu humilde trabalho nesta taverna. Oh, filho! Você jamais se ajoelhou e rezou pela remissão de todos os seus pecados e más ações? Pobre menino! Suma daqui! Não amedronte mais meu espírito; eu fiz bem em te esquecer. Não reabra velhas feridas; que seja como você nunca tivesse voltado e me encarado - jamais houvesse visto minha humilde labuta, meus parcos centavos penosamente batalhados - os quais está sempre ávido para agarrar, sempre pronto para roubar, oh, desalmado, maldoso e sombrio filho da minha própria carne. Meu filho! Meu filho!" (...) E por um instante alcancei o estágio do êxtase que sempre quis atingir, que é a passagem completa através do tempo cronológico num mergulhar em direção às sombras intemporais, e iluminação na completa desolação do reino mortal e a sensação de morte mordiscando meus calcanhares e me impelindo para frente como um fantasma perseguindo seus próprios calcanhares, e eu mesmo correndo em busca de uma tábua de salvação de onde todos os anjos alçaram vôo em direção ao vácuo sagrado do vazio primordial, o fulgor potente e inconcebível reluzindo na radiante Essência da Mente, incontáveis terras-lótus desabrochando na mágica tepidez do céu. Eu podia ouvir um farfalhar indescritível que não estava apenas nos meus ouvidos, mas em todos os lugares, e não tinha nada a ver com sons. Percebi ter morrido e renascido incontáveis vezes, mas simplesmente não me lembrava justamente porque as transições da vida para a morte e de volta à vida são tão fantasmagoricamente fáceis, uma ação mágica para o nada, como adormecer e despertar um milhão de vezes na profunda ignorância, e em completa naturalidade. Compreendi que somente devido à estabilidade da Mente essencial é que essas ondulações de nascimento e morte aconteciam, como se fosse a ação do vento sobre uma lâmina de água pura e serena como um espelho. Senti uma satisfação suave, serpenteante como um tremendo pico de heroína numa veia principal; como aquele gole de vinho que te traz um arrepio de satisfação num fim de tarde; meus pés se arrepiaram. Pensei que ia morrer naquele exato instante. Mas não morri e caminhei uns sete quilômetros, catei dez longas baganas e as levei para o quarto de Marylou no hotel e derramei os restos de tabaco no meu velho cachimbo e o acendi (p. 215-17).
Eu tento (eu juro que eu tento!) mas não consigo gostar de música brasileira. MPB é pura depressão (e para quem tem tendência ao suicídio, é um perigo). O resto, com raras exceções, é porcaria, lixo comercial, mais nada.
Aquela noite em Harrisburg tive de dormir num banco da estação ferroviária; ao amanhecer os bilheteiros me enxotaram. Não é verdade que você começa a vida como uma criancinha crédula sob a proteção paterna? E então chega o dia da indiferença, em que o cara descobre que é um desgraçado, um miserável, fraco, cego e nu, e com a aparência de um fantasma fatigado e fatídico avança trêmulo por uma vida de pesadelo. Me arrastei para fora da estação, desfigurado. Estava fora de mim. Daquela manhã tudo o que eu podia perceber era sua própria palidez, como a palidez de um túmulo. Eu estava morto de fome, tudo que me restava em termos calóricos eram as últimas pastilhas para a garganta que eu tinha comprado meses atrás em Shelton, Nebraska; chupei-as por causa do açúcar. Eu não sabia esmolar. Arrastei-me para fora da cidade com uma força que mal me permitiu chegar aos seus limites. Sabia que seria preso se passasse mais uma noite em Harrisburg (p. 139).