Numa das minhas primeiras declarações, logo depois de sair de Cuba, afirmei: "A diferença entre o sistema comunista e o capitalista é que, embora os dois nos deem um chute na bunda, no sistema comunista a gente leva o chute e tem que bater palmas; no capitalista, a gente também leva, mas pode gritar. E vim aqui para gritar". (p. 342)
Nos poucos meses que passei em Miami, não consegui encontrar um só instante de tranquilidade. Vivi cercado de fofocas constantes e confusões, e de uma infinita sucessão de coquetéis, festas e convites. Era como viver num mostruário, uma estranha criatura que precisava ser convidada antes de perder o brilho, antes de chegar um novo personagem que me desbancasse. Não tinha paz para trabalhar e muito menos para escrever. Quanto à cidade - aliás, não é uma cidade e sim um amontoado de casas espalhadas, um povoado de cowboys, onde o cavalo fora substituído pelo automóvel -, ela me assustava. Estava acostumado com uma cidade com ruas e calçadas, uma cidade deteriorada, mas onde era possível andar e entender seu mistério, até mesmo desfrutar esse encanto. Agora, encontrava-me num mundo plástico, carente de mistério, e cuja solidão acabava sendo mais agressiva. Por isso mesmo, comecei logo a sentir saudades de Cuba, da cidade velha de Havana, mas minhas lembranças ruins foram mais poderosas que qualquer saudade. (p. 347)
Estava descobrindo uma fauna que nunca vira em Cuba: os comunistas de luxo. Lembro-me que, no meio de um banquete na Universidade de Harvard, um professor alemão me disse: "De certa forma, entendo que você possa ter sofrido, mas sou um grande admirador de Fidel Castro e estou muito satisfeito com tudo o que fez em Cuba". Enquanto dizia isso, o professor alemão tinha um prato cheio de comida à sua frente. Respondi: "Acho ótimo que admire Fidel Castro, mas, nesse caso, não pode continuar comendo todo esse prato, porque nenhum cubano, exceto o alto comando, pode comer tanto assim". Peguei o prato e o atirei contra a parede. (p. 343)
Sabia que não poderia viver em Miami. Assim, hoje, passados dez anos, percebo que para um exilado não existe nenhum lugar onde possa viver; não existe nenhum lugar, porque aquele lugar com o qual sonhamos, onde descobrimos uma paisagem, lemos nosso primeiro livro, tivemos a primeira aventura amorosa, continua sendo o lugar sonhado. No exílio, ele não passa de um fantasma, a sombra de alguém que nunca consegue alcançar sua completa realidade. Deixei de existir desde que cheguei no exílio; a partir de então, comecei a fugir de mim mesmo. (p. 348)
(...) nunca me considerei nem de esquerda nem de direita; também não quero ser rotulado de político oportunista; sempre digo a minha verdade, assim como um judeu que tenha sofrido com o racismo ou um russo que tenha ficado no Gulag, ou qualquer ser humano que tenha olhos para enxergar as coisas exatamente como são: grito, logo existo. (p. 357)
Reinaldo Arenas, Antes que anoiteça, Edições BestBolso, Rio de janeiro: 2009.
Nos poucos meses que passei em Miami, não consegui encontrar um só instante de tranquilidade. Vivi cercado de fofocas constantes e confusões, e de uma infinita sucessão de coquetéis, festas e convites. Era como viver num mostruário, uma estranha criatura que precisava ser convidada antes de perder o brilho, antes de chegar um novo personagem que me desbancasse. Não tinha paz para trabalhar e muito menos para escrever. Quanto à cidade - aliás, não é uma cidade e sim um amontoado de casas espalhadas, um povoado de cowboys, onde o cavalo fora substituído pelo automóvel -, ela me assustava. Estava acostumado com uma cidade com ruas e calçadas, uma cidade deteriorada, mas onde era possível andar e entender seu mistério, até mesmo desfrutar esse encanto. Agora, encontrava-me num mundo plástico, carente de mistério, e cuja solidão acabava sendo mais agressiva. Por isso mesmo, comecei logo a sentir saudades de Cuba, da cidade velha de Havana, mas minhas lembranças ruins foram mais poderosas que qualquer saudade. (p. 347)
Estava descobrindo uma fauna que nunca vira em Cuba: os comunistas de luxo. Lembro-me que, no meio de um banquete na Universidade de Harvard, um professor alemão me disse: "De certa forma, entendo que você possa ter sofrido, mas sou um grande admirador de Fidel Castro e estou muito satisfeito com tudo o que fez em Cuba". Enquanto dizia isso, o professor alemão tinha um prato cheio de comida à sua frente. Respondi: "Acho ótimo que admire Fidel Castro, mas, nesse caso, não pode continuar comendo todo esse prato, porque nenhum cubano, exceto o alto comando, pode comer tanto assim". Peguei o prato e o atirei contra a parede. (p. 343)
Sabia que não poderia viver em Miami. Assim, hoje, passados dez anos, percebo que para um exilado não existe nenhum lugar onde possa viver; não existe nenhum lugar, porque aquele lugar com o qual sonhamos, onde descobrimos uma paisagem, lemos nosso primeiro livro, tivemos a primeira aventura amorosa, continua sendo o lugar sonhado. No exílio, ele não passa de um fantasma, a sombra de alguém que nunca consegue alcançar sua completa realidade. Deixei de existir desde que cheguei no exílio; a partir de então, comecei a fugir de mim mesmo. (p. 348)
(...) nunca me considerei nem de esquerda nem de direita; também não quero ser rotulado de político oportunista; sempre digo a minha verdade, assim como um judeu que tenha sofrido com o racismo ou um russo que tenha ficado no Gulag, ou qualquer ser humano que tenha olhos para enxergar as coisas exatamente como são: grito, logo existo. (p. 357)
Reinaldo Arenas, Antes que anoiteça, Edições BestBolso, Rio de janeiro: 2009.
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