sábado, 13 de fevereiro de 2010

Antes que anoiteça

Cuba, década de 70

Felizmente, durante todos esses anos, minha amizade com Jorge e Margarita Camacho foi indestrutível. Eles sempre deram um jeito para que eu recebesse uma carta de consolo e, muitas vezes, através de algum turista francês, mandavam-me uma camisa, um par de sapatos, um lenço ou um perfume. Esses presentes se tornaram um símbolo de vida para mim, só pelo fato de terem chegado de uma região livre; tinham até um cheiro diferente; até certo ponto isso me tornava um pouco mais livre também, me colocando em contato com um mundo onde ainda era possível respirar. O mais impressionante de tudo, porém, era quando um daqueles turistas, a quem tínhamos contado nossos horrores, voltava para casa. Aquela pessoa transformava-se, para nós, numa espécie de ser mágico pelo único fato de poder pegar um avião e sair de Cuba, sair daquela cadeia. Com que inveja víamos Olga atravessando a barreira de vidro, só possível de ser transposta por quem tivesse uma licença especial de saída, ou pelos estrangeiros que vinham visitar o país. Olga se perdia por trás daquelas vidraças, e corríamos todos até o terraço, de onde podíamos vê-la subindo a escada do avião. Era um prazer imenso poder pensar em subir no avião e deixar aquele inferno para trás. Quando o avião começava a subir, nós o víamos desaparecer entre as nuvens, lotado de gente que podia ir embora, não ligar para tudo o que se passava aqui, dizer o que bem quisesse, comprar um par de sapatos novos. Mas nós ficávamos ali mesmo, formando uma imensa fila para pegar a condução que nos levaria para Havana, olhando para nossas calças de tecido grosseiro e nossa pele ressecada pelo sol e falta de vitaminas.

Trecho extraído do livro Antes que anoiteça, autobiografia escrita pelo escritor cubano Reinaldo Arenas, que se matou no exílio em 1990. [Editora BestBolso, Rio de Janeiro, 2009. p. 178].

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