sábado, 13 de fevereiro de 2010

O caso Padilla

Cuba, 1971

A Segurança do Estado escolheu Heberto Padilla como bode expiatório. Padilla tinha sido o poeta irreverente que se atrevera a apresentar, para um concurso oficial, um livro crítico intitulado Fuera del juego.

No exterior já se tornara uma atração internacional, e era necessário portanto destruí-lo, assim como todos os outros intelectuais cubanos que tivessem atitudes semelhantes.

Em 1971, Padilla foi preso com sua esposa, Belkis Cuza Malé. Foi trancado numa cela, ameaçado e surrado; trinta dias depois, saiu daquela cela transformado em farrapo humano. Quase todos os intelectuais cubanos foram convidados pela Segurança do Estado, por intermédio da UNEAC, a ouvir Padilla. Sabíamos que estava preso, e ficamos surpresos com sua aparição. Lembro-me de que a UNEAC estava rigorosamente vigiada por policiais em trajes civis; só podiam entrar para ouvir Padilla as pessoas que constassem de uma lista, minuciosamente checada. A noite em que Padilla fez sua confissão foi uma noite sinistra e inesquecível. Aquele homem vital, que escrevera lindos poemas, arrependia-se de tudo o que havia feito, de toda a sua obra anterior, renegando a si próprio, intitulando-se de covarde, miserável e traidor. Dizia que durante o tempo em que estivera preso pela Segurança do Estado entendera a beleza da revolução e escrevera poemas dedicados à primavera. Padilla não apenas se retratava de toda a sua obra anterior, como também delatava publicamente todos os seus amigos e até sua esposa, os quais, segundo ele, também tiveram uma atitude contrarrevolucionária. Padilla dava o nome de todas essas pessoas, uma por uma: José Yanes, Norberto Fuentes, Lezama Lima. Mas Lezama recusou-se a assistir àquela retratação. Enquanto Padilla continuava citando os escritores "contrarrevolucionários", Virgilio Piñera levantou-se da cadeira e sentou-se no chão para que não o vissem. Todas as pessoas citadas como contrarrevolucionárias por Padilla, entre socos no peito e lágrimas nos olhos, tinham que ir até o microfone perto de Padilla, assumir sua culpa e reconhecer que eram abjetos traidores do sistema. Tudo foi filmado pela Segurança do Estado e o filme percorreu todos os meios intelectuais do mundo, sendo exibido especialmente a todos aqueles que haviam assinado uma carta em protesto contra a prisão injusta de Padilla. Entre esses estavam Mario Vargas Llosa, Octavio Paz, Juan Rulfo e inclusive o próprio García Márquez, hoje transformado numa das estrelas mais importantes de Fidel Castro.

Trecho extraído do livro Antes que anoiteça, do escritor cubano Reinaldo Arenas, que se matou no exílio em 1990. [Editora BestBolso, Rio de Janeiro, 2009. p. 172-174].

Reinaldo Arenas nasceu em Cuba, em 1943, e faleceu nos Estados Unidos, em 1990.

Heberto Padilla nasceu em Cuba, em 1932, e faleceu nos Estados Unidos, em 2000.

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