Vendam logo esta casa, ela está cheia de fantasmas.
Na livraria, há um avô que faz cartões de boas-festas com
corações de purpurina.
Na tipografia, um tio que imprime avisos fúnebres e programas
de circo.
Na sala de visitas, um pai que lê romances policiais até o fim
dos tempos.
No quarto, uma mãe que está sempre parindo a última filha.
Na sala de jantar, uma tia que lustra cuidadosamente o seu
próprio caixão.
Na copa, uma prima que passa a ferro todas as mortalhas
da família.
Na cozinha, uma avó que conta noite e dia histórias do
outro mundo.
No quintal, um preto velho que morreu na Guerra do Paraguai
rachando lenha.
E no telhado um menino medroso que espia todos eles; só que
está vivo: trouxe-o até ali o pássaro dos sonhos.
Deixem o menino dormir, mas vendam a casa, vendam-na
depressa.
Antes que ele acorde e se descubra também morto.
José Paulo Paes (1926-1998)
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
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