Direção: Sidney Lumet. Com: Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Albert Finney e Marisa Tomei.
"Possa você ter comida e prosperidade, uma almofada macia para sua cabeça, possa você estar 40 anos no céu, antes que o diabo saiba que você morreu!"
"Um elixir cultural para almas sequiosas, este blog: literatura, cinema, história-estória... Uma seleção realizada com tanto esmero e bom gosto que já tornou-se vital a ingestão de goles diários desta rica tela". Comentário ao Post Ventre Feroz
Falou mais: que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balança nem com barômetro etc.
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.
Assim um passarinho nas mãos de uma criança é mais importante para ela do que a Cordilheira dos Andes.
Que um osso é mais importante para o cachorro do que uma pedra de diamante.
E um dente de macaco da era terciária é mais importante para os arqueólogos do que a Torre Eiffel. (veja que só um dente de macaco!)
Que uma boneca de trapos que abre e fecha os olhinhos azuis nas mãos de uma criança é mais importante para ela do que o Empire State Building.
Que o cu de uma formiga é mais importante para o poeta do que uma Usina Nuclear. Sem precisar medir o ânus da formiga.
Que o canto das águas e das rãs nas pedras é mais importante para os músicos do que os ruídos dos motores da Formula 1.
Há um desagero em mim de aceitar essas medidas.
Porém não sei se isso é um defeito do olho ou da razão.
Se é defeito da alma ou do corpo.
Se fizerem algum exame mental em mim por tais julgamentos, vão encontrar que eu gosto mais de conversar sobre restos de comida com as moscas do que com homens doutos.
Manoel de Barros
Subi. Na sala uma mulher com os olhos vermelhos me olhou em silêncio. Ao seu lado um menino magro, meio encolhido, de boca aberta, respirando com dificuldade.
O banheiro? Ela me apontou um corredor escuro. A casa cheirava a mofo, como se os encanamentos estivessem vazando no interior das paredes. De algum lugar vinha um odor de cebola e alho fritos.
A porta do banheiro estava entreaberta. O homem estava lá.
Voltei para a sala. Já havia feito todas as perguntas à mulher quando o perito Azevedo chegou.
No banheiro, eu disse.
Anoitecia. Acendi a luz da sala. Azevedo me pediu ajuda. Fomos para o banheiro.
Levanta o corpo, disse o perito, para eu soltar o laço. Segurei o morto pela barriga. Da sua boca saiu um gemido.
Ar preso, disse Azevedo, esquisito não é? Rimos sem prazer. Pusemos o corpo no chão úmido. Um homem franzino, e barba por fazer, o rosto cinzento, parecia um boneco de cera.
Ele não deixou bilhete, nada, eu disse.
Eu conheço esse tipo, disse Azevedo, quando não agüentam mais eles se matam depressa, tem que ser depressa senão se arrependem.
Azevedo urinou no vaso sanitário. Depois lavou as mãos na pia e enxugou-as nas fraldas de sua camisa.
Rubem Fonseca. O Cobrador.