segunda-feira, 18 de março de 2013

Além do bem e do mal


"Quando temos que mudar de opinião acerca de alguém, não lhe perdoamos o incômodo que assim nos causa." (p.68)
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"É por nossas virtudes que somos bem punidos." (p. 68)
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"É o baixo ventre que impede o homem de considerar-se um deus." (p. 69)
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"Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você." (p. 70)
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"O pensamento do suicídio é um forte consolo: com ele atravessamos mais de uma noite ruim." (p.71)
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"A vaidade dos outros fere nosso gosto apenas quando fere nossa vaidade." (p. 72)
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"'Isso não me agrada.' - Por quê? - 'Não estou à altura disso.' - Algum homem já respondeu assim?" (p. 73)
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"Os homens de profunda tristeza se denunciam quando estão felizes: têm uma maneira de agarrar a felicidade, como se a quisessem esmagar e sufocar, por ciúme - eles sabem muito bem como ela escapa!" (p. 172)

Nietzsche, Friedrich. Além do bem e do mal (1886). São Paulo: Cia das Letras, 2005

Silêncio


O suicídio é uma prova de poder. É o limite
entre a impotência do homem e a impotência de Deus;
é o silêncio como resposta; e o silêncio
é a pergunta que o suicida nos faz.

(...)

O suicida é o mais humano dos mortos.
A sua tristeza é a tristeza de todos, mas ali
ele traduz a mais triste de nossas vontades.

Weydson Barros Leal (1963-). In: Poesia sempre. Número 28. Ano 15 / 2008. p. 214

Poesia



"Diz-se que o poeta é um criador, ou melhor, um estruturador de línguas e, sendo assim, de civilizações. Homero, Virgílio, Dante, Chaucer, Shakespeare, Camões, os poetas anônimos do 'Cantar de Mío Cid' vivem à base dessas afirmações. Pode ser. Mas para o burguês comum a poesia não é coisa que se possa trocar usualmente por dinheiro, pendurar na parede como um quadro, colocar no jardim como uma escultura, pôr num toca-discos como uma sinfonia, transportar para a tela como um conto, uma novela ou um romance, nem encenar, como um roteiro cinematográfico, um balé ou uma peça de teatro. Modigliani - que se fosse vivo seria multimilionário como Picasso - podia, na época em que morria de fome, trocar uma tela por um prato de comida: muitos artistas plásticos o fizeram antes e depois dele. Mas eu acho difícil que um poeta possa jamais conseguir o seu filé em troca de um soneto ou uma balada. Por isso me parece que a maior beleza dessa arte modesta e heróica seja a sua aparente inutilidade. Isso dá ao verdadeiro poeta forças para jamais se comprometer com os donos da vida. Seu único patrão é a própria vida: a vida dos homens em sua longa luta contra a natureza e contra si mesmos para se realizarem em amor e tranquilidade."

Vinicius de Moraes. Para viver um grande amor - crônicas e poemas (1962). São Paulo: Cia das Letras, 1991. p. 104

No dia triste


No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
Obrigações morais e civis?
Complexidade de deveres, de consequências?
Não, nada...
O dia triste, a pouca vontade para tudo...
Nada...

Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol
(Também estive ao sol, ou supus que estive).
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,
Vaidade, alegria e sociabilidade,
E emigram para voltar, ou para não voltar,
Em navios que os transportam simplesmente.
Não sentem o que há de morte em toda a partida,
De mistério em toda a chegada,
De horrível em todo o novo...

Não sentem: por isso são deputados e financeiros,
Dançam e são empregados no comércio,
Vão a todos os teatros e conhecem gente...
Não sentem: para que haveriam de sentir?

Gado vestido dos currais dos Deuses,
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício
Sob o sol, álacre, vivo, contente de sentir-se...
Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda
Para o mesmo destino!
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho,
Vou com ele sem desconhecer...

No dia triste o meu coração mais triste do dia...
No dia triste todos os dias...
No dia tão triste...

Fernando Pessoa. Poemas escolhidos de Álvaro de Campos. Coleção Ler é aprender - Estado de São Paulo. p. 129

Leve


Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo

Fernando Pessoa. Poemas escolhidos de Alberto Caeiro. Coleção Ler é aprender - Estado de São Paulo. p. 28

Sou do tamanho do que vejo


Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Fernando Pessoa. Poemas escolhidos de Alberto Caeiro. Coleção Ler é aprender - Estado de São Paulo. p. 22

segunda-feira, 11 de março de 2013

American Pastoral



"The Swede [Seymour Levov] had got up off the ground and he’d done it – a second marriage, a second shot at a unified life controlled by good sense and the classic restraints, once again convention shaping everything, large and small, and serving as barrier against the improbabilities – a second shot at being the traditional devoted husband and father, pledging allegiance all over again to the standard rules and regulations that are the heart of family order. He had the talent for it, had what it took to avoid anything disjointed, anything special, anything improper, anything difficult to assess or understand. (…)

He had learned the worst lesson that life can teach – that it makes no sense. And when that happens the happiness is never spontaneous again. It is artificial and, even then, bought at the price of an obstinate estrangement from oneself and one’s history. The nice gentle man with his mild way of dealing with conflict and contradiction, the confident ex-athlete sensible and resourceful in any struggle with an adversary who is fair, comes up against the adversary who is not fair – the evil ineradicable from human dealings – and he is finished. He whose natural nobility was to be exactly what he seemed to be has taken in far too much suffering to be naively whole again. Never again will the Swede be content in the trusting old Swedian way that, for the sake of his second wife and their three boys – for the sake of their naive wholeness – he ruthlessly goes on pretending to be. Stoically he suppresses his horror. He learns to live behind a mask. A lifetime experiment in endurance. A performance over a ruin. Swede Levov lives a double life.

And now he is dying and what sustained him in a double life can sustain him no longer, and that horror mercifully half submerged, two-third submerged, even at times nine-tenths submerged, comes back distilled despite the heroic creation of that second marriage and the fathering of the wonderful boys; in the final months of the cancer, it’s back worse than ever (…)."

Philip Roth. American Pastoral. Vintage, 1998. p. 81-82

sábado, 2 de março de 2013

As cidades invisíveis (III)



Não existe cidade mais disposta a aproveitar a vida e a evitar aflições do que Eusápia. E, a fim de que o salto da vida para a morte seja menos brusco, os habitantes construíram no subsolo uma cópia idêntica da cidade. Os cadáveres, dessecados de modo que os esqueletos restem revestidos de pele amarela, são levados para baixo e continuam a cumprir antigas atividades. Destas, as preferidas são as que reproduzem momentos de despreocupação: a maioria é posicionada em torno de mesas servidas, ou colocada em posições de dança ou no gesto de tocar trombeta. Mas todos os comércios e profissões da Eusápia dos vivos são recriados no subsolo, ao menos os que os vivos realizaram com mais satisfação do que aborrecimento: o relojoeiro, no meio de todos os relógios parados de sua oficina, encosta a orelha seca num relógio de pêndulo sem corda; um barbeiro ensaboa com um pincel seco o osso dos zigomas de um ator enquanto este repassa o seu papel examinando o roteiro com órbitas vazias; uma moça de crânio risonho ordenha uma carcaça de bezerra.

Claro que muitos dos vivos pedem para depois da morte um destino diferente do que lhes coube em vida: a necrópole é apinhada de caçadores de leões, meios-sopranos, banqueiros, violinistas, duquesas, concubinas, generais, em número maior do que jamais contou a cidade vivente.

Italo Calvino. As cidades invisíveis (1972). São Paulo: Cia das Letras, 2002. p. 101

As cidades invisíveis (II)



A cidade de Sofrônia é composta de duas meias cidades. Na primeira, encontra-se a grande montanha-russa de ladeiras vertiginosas, o carrossel de raios formados por correntes, a roda-gigante com cabinas giratórias, o globo da morte com motociclistas de cabeça para baixo, a cúpula do circo com os trapézios amarrados no meio. A segunda meia cidade é de pedra e mármore e cimento, com o banco, as fábricas, os palácios, o matadouro, a escola e todo o resto. Uma das meias cidades é fixa, a outra é provisória e, quando termina a sua temporada, é desparafusada, desmontada e levada embora, transferida para os terrenos baldios de outra meia cidade.

Assim, todos os anos chega o dia em que os pedreiros destacam os frontões de mármore, desmoronam os muros de pedra, os pilares de cimento, desmontam o ministério, o monumento, as docas, a refinaria de petróleo, o hospital, carregam os guinchos para seguir de praça em praça o itinerário de todos os anos. Permanece a meia Sofrônia dos tiros-ao-alvo e dos carrosséis, com o grito suspenso do trenzinho da montanha-russa de ponta-cabeça, e começa-se a contar quantos meses, quantos dias se deverão esperar até que a caravana retorne e a vida inteira recomece.

Italo Calvino. As cidades invisíveis (1972). São Paulo: Cia das Letras, 2002. p. 61

Memórias de Adriano (III)



Confiei toda a minha vida na sabedoria do meu corpo; procurei desfrutar com discernimento as sensações que este amigo me proporcionava: devo a mim mesmo a obrigação de apreciar também as últimas. Já não recuso esta agonia programada para mim, este fim lentamente elaborado no fundo das minhas artérias, herdado talvez de um antepassado, nascido do meu temperamento, preparado pouco a pouco por cada um dos meus atos ao longo da vida. A hora da impaciência passou. No ponto em que me encontro, o desespero seria tão de mau gosto quanto a esperança. Renunciei a insultar minha própria morte.

Marguerite Yourcenar. Memórias de Adriano (1951). Rio de Janeiro: Record/Altaya. p. 275

Foto: Mausoléu do Imperador Adriano (76 d.C. - 138 d.C.), em Roma. Iniciado pelo próprio Adriano, foi concluído pelo seu sucessor, Antonino Pio, em 139 d.C.

Lídimo tempo


"Tem gente que corre, corre
de medo do tempo ligeiro
e na chegada descobre
que o tempo chegou primeiro."
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"Ser mãe é ter uma
Gestação atemporal
Dentro do próprio tempo.

É dividir espaço
E somar a própria alma
No ritmo sincopado de dois corações.

É ser o próprio mar
Navegado por um peixe miúdo
Que será fisgado
Pelo mundo.

Ser mãe é gestar
Expectativas
Num breve/eterno tempo de espera."

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"Eu segurava o menino no colo
e ele chorava com medo de cair.
Com o tempo,
eu no colo do menino."
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"Nos galhos das árvores
empoleiram-se os fantasmas
às seis da tarde.

Eles espiam com um olhar mudo
os rumos do mundo
no fundo do escuro."

Ana Cláudia SSaldanha. Lídimo tempo (2005)

A Hora da Estrela



A menina não perguntava por que era sempre castigada mas nem tudo se precisa saber e não saber fazia parte importante de sua vida.

Esse não-saber pode parecer ruim mas não é tanto porque ela sabia muita coisa assim como ninguém ensina cachorro a abanar o rabo e nem a pessoa a sentir fome; nasce-se e fica-se logo sabendo. Assim como ninguém lhe ensinaria um dia a morrer: na certa morreria um dia como se antes tivesse estudado de cor a representação do papel de estrela. Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela de cinema, é o instante de glória de cada um e é quando como no canto coral se ouvem agudos sibilantes.

Clarice Lispector. A Hora da Estrela (1977). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. p. 44

Foto: do filme "A Hora da Estrela", produção de 1985, baseada na obra de Clarice Lispector