domingo, 23 de setembro de 2012

Alberto Caeiro


(ditado pelo poeta no dia da sua morte)


É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver ainda: mais nada.

...

Quando vier a primavera,

Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera
passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância
nenhuma.

...
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exatamente
onde o meu braço
chega - 
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não onde penso.
Só me posso sentar onde estou.
...
A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para ser completo.
...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

...

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), Poemas completos de Alberto Caeiro, Editora Komedi, páginas: 48, 104, 116, 120, 121 e 125 

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