quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A morte do gourmet

Deus, isto é, o prazer bruto, sem partilha, aquele que sai do núcleo de nós mesmos, que só leva em consideração nosso próprio gozo e que da mesma forma volta a ele: Deus, isto é, essa região misteriosa de nossa intimidade em que estamos inteiramente entregues a nós mesmos na apoteose de um desejo autêntico e de um prazer sem mistura. (p. 124)

(...)

Viver por procuração (...). O que se deve, realmente, preferir? Viver a pobre vidinha de Homo sapiens bem-adaptado, sem objetivo, sem-sal, porque somos muito frágeis para nos ater ao objetivo? Ou, quase por arrombamento, desfrutar infinitamente os êxtases de outro que conhece a própria busca, que já iniciou sua cruzada e que, por ter assim um fim último, vive ao lado da imortalidade? (p. 56)

(...)

Quantas vezes me atirei assim num cardápio como nos atiramos no desconhecido? Seria inútil querer estabelecer a contabilidade. Todas as vezes senti um prazer intacto. Mas nunca tão agudo quanto nesse dia em que, na cozinha do chef Lessière, no santuário da exploração gastronômica, desprezei um cardápio atordoante de delícias para me regalar no estupro de uma simples maionese. (p. 113)

Muriel Barbery, A morte do gourmet. São Paulo: Cia das Letras, 2009, p. 124

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