segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Quando Nietzsche chorou

"As metas se realizaram, sim. Mas sem satisfação, Friedrich. De início, a euforia de um novo sucesso durava meses. Gradualmente, porém, foi se tornando mais volátil - semanas, depois dias, até horas - até que agora o sentimento se evapora tão rapidamente, que já nem penetra em minha pele. Acredito agora que minhas metas foram imposturas: jamais foram o verdadeiro destino do rapaz infinitamente promissor. Muitas vezes, sinto-me desorientado: as antigas metas deixaram de funcionar e perdi o dom de inventar metas novas. Quando penso no fluxo de minha vida, sinto-me traído ou enganado, como se tivesse sido vítima de uma piada celestial, como se tivesse esgotado minha vida dançando à melodia errada." [...]

"Metas? As metas estão na cultura, no ar. Nós as respiramos. Todos os meninos com quem cresci inalaram as mesmas metas. Todos queríamos pular para fora do gueto judaico, subir na vida, ter sucesso, riqueza, respeitabilidade. Era o que todos queríamos! Nenhum de nós jamais se pôs deliberadamente a escolher metas; elas estavam bem ali, as consequências naturais de meu tempo, meu povo, minha família."

"Mas elas [as metas] não serviram para você, Josef. Não foram suficientemente firmes para sustentar uma vida. Bem, talvez fossem bastante firmes para os sem-visão, ou para os medíocres que correm a vida toda atrás de objetivos materiais ou mesmo para os que atingem o sucesso mas têm o dom de continuamente fixar novas metas fora do alcance deles. Mas você, como eu, é um homem de visão. Você olhou para longe demais na vida. Você viu que era fútil alcançar metas erradas e fútil fixar novas metas erradas. Multiplicações por zero dão sempre zero!" [...]

"Chegar aos quarenta abalou a idéia de que tudo me era possível. Subitamente, entendi o fato mais óbvio da vida: que o tempo é irreversível, que minha vida estava se consumindo. É claro que eu já sabia disso antes, mas sabê-lo aos quarenta foi uma espécie diferente de saber. Agora, sei que o rapaz infinitamente promissor foi meramente uma ordem de marchar, que promissor é uma ilusão, que infinitamente não tem sentido e que estou em fileira cerrada com todos os outros homens em direção à morte."

"É estranho, Josef, como um cemitério consegue me acalmar. Contei-lhe que meu pai foi um pastor luterano. Mas será que lhe contei que meu quintal e meu local de brincar era o adro da aldeia? Por sinal, você conhece o ensaio de Montaigne sobre a morte, em que nos aconselha a morar em um quarto com vista para um cemitério? Aclara nossa mente - alega ele - e mantém as prioridades da vida em perspectiva."

Fragmentos do livro Quando Nietzche chorou, de Irvin D. Yalom

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