(...) Laval internou-se no subsolo de uma casa à margem do Igarapé de Manaus. Várias vezes foi encontrado no canto da caverna, quieto e emudecido, o rosto cadavérico, a barba espessa que ele conservaria até a imolação. Não era greve de fome nem inapetência. Talvez desespero. Seus poemas, cheios de palavras raras, insinuavam noites aflitas, mundos soterrados, vidas sem saída ou escape. Às sextas-feiras distribuía-os aos alunos, pensando que ninguém os leria, pensando sempre no pior. Lá no íntimo era um pessimista, um desencantado, e tentava compensar esse desencanto por meio da aparência, com seu jeito de dândi. Refutava o rótulo de poeta, mas não se incomodava quando o chamavam de excêntrico ou afetado. Não sei qual dos dois atributos o definia melhor. Nenhum, talvez. Mas foi um mestre. E também um atormentado que escrevia, sabendo que não publicaria nada. Seus poemas repousam por aí, em gavetas esquecidas ou na memória de ex-alunos.
Milton Hatoum. Dois irmãos. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 145
Um comentário:
Parabéns pelo blog, fala de grandes obras. Já sou seguidor.
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