A vez que o vizinho alegre dela o jovem escritor John Golz veio (religiosamente oito horas por dia à máquina de escrever, escreve histórias para revistas, admirador de Hemingway, com frequência dá comida a Mardou e é um rapaz simpático de Indiana e é cheio de boas intenções e está longe de ser um subterrâneo cheio de subterfúgios manhoso feito serpente e interessante e sim um cara aberto, jovial, brinca com as crianças no pátio meu Deus) - veio ver Mardou, eu estava lá sozinho (por algum motivo, Mardou estava num bar dentro do esquema que tínhamos combinado, a noite que ela saiu com um rapaz negro que ela não gostava muito mas só de sarro e ela disse a Adam que estava fazendo isso porque ela queria transar com um rapaz negro de novo, o que me fez ficar com ciúme, mas Adam disse "Se dissessem a ela que você saiu com uma menina branca para ver se você conseguia transar com branca de novo ela certamente ia ficar toda prosa, Leo") - aquela noite, eu estava na casa dela esperando, lendo, John Golz veio filar um cigarro e vendo que eu estava sozinho o garoto quis falar sobre literatura - "Olha, pra mim a coisa mais importante é a seletividade", e eu explodi e disse: "Ah não me vem com esses papos que você aprendeu no colégio que eu já ouvi uma porrada de vezes muito antes de você nascer quase pelamordideus diz uma coisa nova e interessante sobre literatura" - arrasando o rapaz, mal-humorado, principalmente porque eu estava irritado e porque ele parecia inofensivo e portanto parecia não ter perigo nenhum berrar com ele, no que aliás eu estava absolutamente certo - arrasando o rapaz, que era amigo dela, coisa que não se faz - não, no mundo não há lugar para esse tipo de coisa, e então o que a gente faz, e onde? quando? buá buá buá, chora o bebê no estouro da meia-noite.
Jack Kerouac, Os subterrâneos (1958). Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 92-93.
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