sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A morte de Ivan Ilitch

De repente ocorria-lhe mudar todos os álbuns de lugar e colocá-los no canto da sala onde estavam as plantas. Chamava o empregado, mas quem vinha em seu socorro era sua mulher ou sua filha, que nunca concordavam com ele, contrariavam-no e ele discutia e acabava se irritando. Mas estava tudo bem, desde que ele não pensasse nela. Ela não estava ali.

Mas bastava sua esposa dizer, assim que o via carregar ele mesmo alguma coisa: "Deixe que os empregados fazem isso, você vai se machucar outra vez" e imediatamente ela punha os olhos para dentro do abrigo que o protegia. Ele podia vê-la. Ela só dera uma espiada e ele tinha esperanças de que desaparecesse, involuntariamente. Via-se esperando por ela - e lá estava, a mesma de antes, doendo, doendo o tempo todo e agora já não podia esquecê-la e ela o olha atentamente por detrás das flores. "De que adianta isso tudo?"

(...)

Ele então ia para seus aposentos, deitava-se e outra vez ficava a sós com ela. Cara a cara com ela. E não havia nada que ele pudesse fazer com ela, a não ser olhar e estremecer.

(...)

O que mais atormentava Ivan Ilitch era o fingimento, a mentira, que por alguma razão eles todos mantinham, de que ele estava apenas doente e não morrendo e que bastava que ficasse quieto e seguisse as ordens médicas que ocorreria uma grande mudança para melhor. Mas ele sabia que nada do que fizessem teria outro resultado que não mais agonia, mais sofrimento e a morte. E a farsa desgostava-o profundamente: atormentava-o o fato de que se recusassem a admitir o que eles e ele próprio bem sabiam, mas insistiam em ignorar e forçavam-no a participar da mentira. Esse fingimento que se estabeleceu em torno dele até a véspera de sua morte, essa mentira que só fazia colocar no mesmo nível o solene ato de sua morte, suas visitas, suas cortinas, seu caviar para o jantar...eram-lhe terrivelmente dolorosos.

(...)

Quando o exame terminou o médico olhou para o relógio, e Praskovya anunciou a Ivan Ilitch que naturalmente ele decidiria, mas ela já havia procurado um célebre especialista que o examinaria e se reuniria depois com Mihail Danilovich (o médico da família).

- Por favor, não faça objeções. Estou fazendo isso por mim - disse cinicamente, dando a entender que estava fazendo isso por ele e só dizia o contrário para não lhe dar o direito de recusar. Ele ficou em silêncio, franzindo as sobrancelhas. Sentia-se emaranhado em uma rede de tamanha falsidade que ficava difícil livrar-se do que quer que fosse.

Tudo que ela fazia para ele era inteiramente para si mesma, e ela costumava dizer a ele que estava fazendo por ela mesma o que de fato ela estava fazendo por ela mesma, como se isso fosse tão inacreditável que só pudesse significar o contrário.

(...)

Seu casamento...tão gratuito quanto o desencanto que se seguiu. E o mau hálito de sua esposa e os momentos de sensualidade e a hipocrisia! E aquela odiosa vida oficial e a preocupação com dinheiro. Um ano, dois anos, dez, vinte e sempre a mesma coisa. E quanto mais o tempo passava, mais detestável ficava. "Como se eu estivesse caindo montanha abaixo, imaginando estar subindo. E era assim mesmo. E na opinião dos outros eu estava o tempo todo subindo e todo o tempo minha vida deslizava sob meus pés. E agora acabou tudo e é hora de morrer. Mas do que se trata afinal? Por que tem de ser assim? Não pode ser que a vida seja tão destestável e sem sentido.

(...)

Passaram-se outros quinze dias. Ivan Ilitch agora não saía mais do sofá. Não deitava mais na cama, só no sofá. E de olhos fixos na parede a maior parte do tempo, deitado, na solidão, sofria todas as inexplicáveis agonias e fazia sempre a mesma pergunta sem resposta: "O que é isto? É possível que isto seja a morte?". E a voz interior respondia: "Sim, é possível". "Por que toda essa agonia?" E a voz respondia: "Por nenhuma razão. É assim e pronto". Não havia nada além disso ou ao lado disso.

(...)

Do momento em que começou a gritar, Ivan Ilitch prosseguiu por mais três dias e eram gritos tão horríveis que podiam ser ouvidos de porta fechada, dois quartos adiante.

(...)

Para ele tudo aconteceu em um único instante e a sensação daquele instante não mudou dali em diante. Para os que presenciavam sua agonia, esta durou mais duas horas. De sua garganta ainda saía um som e via-se um estranho movimento de seu corpo já sem vida. Até que a respiração ofegante e o som passaram a vir em intervalos cada vez maiores.

- Acabou! - disse alguém perto dele, o que ele repetiu dentro de sua alma.

"A morte está acabada", disse para si mesmo. "Não existe mais".

Respirou profundamente, parou no meio de um suspiro, esticou o corpo e morreu.

Leon Tolstoi, A Morte de Ivan Ilitch (1a edição: 1886). Porto Alegre, L&PM, 2009. Tradução de Vera Karan.

Um comentário:

Anônimo disse...

To be a upright charitable being is to have a kind of openness to the mankind, an gift to group unsure things beyond your own pilot, that can lead you to be shattered in hugely exceptional circumstances as which you were not to blame. That says something very outstanding about the get of the righteous passion: that it is based on a conviction in the up in the air and on a willingness to be exposed; it's based on being more like a weed than like a treasure, something kind of feeble, but whose extremely particular attraction is inseparable from that fragility.