domingo, 26 de abril de 2009

I walked in a desert

I walked in a desert.
And I cried,
"Ah, God, take me from this place!"
A voice said, "It is no desert."
I cried, "Well, But --
The sand, the heat, the vacant horizon."
A voice said, "It is no desert."

Stephen Crane (1871-1900)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Noturno paulistano

No Madrugada's Bar ou no Bar Madrugada.
Entre a noite que veio e ela que não vem
E esta lua negra, de papelão, à parede,
As garrafas, sobre a mesa,
Formam um campo de petróleo.
A triste mulher da vida — Nilda —
Esculacha, bem em frente a mim,
O tango argentino intitulado A media luz.
As considerações, cada vez mais sábias,
E sombrias, à medida que a bebida
Vai aumentando o poder de certas dores,
Secretas e violáveis, contudo impublicáveis,
Provam apenas que o mundo continua,
E que as desgraças, como as despesas,
Inevitáveis, são sempre inúteis e iguais.

Dantas Motta (1913-1974)

Está amanhecendo

Está amanhecendo o dia, minha amiga!
E os nossos sentimentos tão iguais!
Tão longas as nossas dores,
Tão breves os nossos risos.
Paira em tudo uma indecisão amarga
E eu não sei o que fazer
Nesta manhã tão clara, tão branca,
Em que as névoas são inúteis,
Os passarinhos proverbiais.
O sol, que nasceu ontem,
É o mesmo de hoje e será o mesmo
De amanhã, de depois, de depois.
Só nossos corpos em nossas almas
Se mudarão e com eles o mundo
Que é tão vasto e, entanto,
Não comporta minhas tristezas,
Minhas alegrias. Está amanhecendo!
O sono da noite, que correu bravia,
Não comporta os trabalhos do dia
E este sofrimento afinal não é tão breve.
Certo, amanhã morreremos e eu não deixarei
Mais fundas lembranças que não os teus
Outonos sobre as memórias repetidos,
Nem outro bem que não a amargura
De ter vivido.
Os amigos de São Paulo, Rio,
Belo Horizonte,
Pensam que este riso é meu,
E com eles até Israel, em Irati,
No Paraná.
Mercedes, porém, apesar de estúpida,
Sabe-o apenas um disfarce
Com que oculto esta tristeza,
Esta dor.

Dantas Motta (1913-1974)

domingo, 19 de abril de 2009

Mentirosa liberdade

Comecei a escrever um novo livro, sobre os mitos e mentiras que nossa cultura expõe em prateleiras enfeitadas, para que a gente enfie esse material na cabeça e, pior, na alma – como se fosse algodão-doce colorido. Com ele chegam os medos que tudo isso nos inspira: medo de não estar bem enquadrados, medo de não ser valorizados pela turma, medo de não ser suficientemente ricos, magros, musculosos, de não participar da melhor balada, do clube mais chique, de não ter feito a viagem certa nem possuir a tecnologia de ponta no celular. Medo de não ser livres.

Na verdade, estamos presos numa rede de falsas liberdades. Nunca se falou tanto em liberdade, e poucas vezes fomos tão pressionados por exigências absurdas, que constituem o que chamo a síndrome do "ter de". Fala-se em liberdade de escolha, mas somos conduzidos pela propaganda como gado para o matadouro, e as opções são tantas que não conseguimos escolher com calma. Medicados como somos (a pressão, a gordura, a fadiga, a insônia, o sono, a depressão e a euforia, a solidão e o medo tratados a remédio), cedo recorremos a expedientes, porque nossa libido, quimicamente cerceada, falha, e a alegria, de tanta tensão, nos escapa.

Preenchem-se fendas e falhas, manchas se removem, suspendem-se prazeres como sendo risco e extravagância, e nos ligamos no espelho: alguém por aí é mais eficiente, moderno, valorizado e belo que eu? Alguém mora num condomínio melhor que o meu? Em fileira ao longo das paredes temos de parecer todos iguais nessa dança de enganos. Sobretudo, sempre jovens. Nunca se pôde viver tanto tempo e com tão boa qualidade, mas no atual endeusamento da juventude, como se só jovens merecessem amor, vitórias e sucesso, carregamos mais um ônus pesadíssimo e cruel: temos de enganar o tempo, temos de aparentar 15 anos se temos 30, 40 anos se temos 60, e 50 se temos 80 anos de idade. A deusa juventude traz vantagens, mas eu não a quereria para sempre: talvez nela sejamos mais bonitos, quem sabe mais cheios de planos e possibilidades, mas sabemos discernir as coisas que divisamos, podemos optar com a mínima segurança, conseguimos olhar, analisar e curtir – ou nos falta o que vem depois: maturidade?

Parece que do começo ao fim passamos a vida sendo cobrados: O que você vai ser? O que vai estudar? Como? Fracassou em mais um vestibular? Já transou? Nunca transou? Treze anos e ainda não ficou? E ainda não bebeu? Nem experimentou uma maconhazinha sequer? E um Viagra para melhorar ainda mais? Ainda aguenta os chatos dos pais? Saiba que eles o controlam sob o pretexto de que o amam. Sai dessa! Já precisa trabalhar? Que chatice! E depois: Quarenta anos ganhando tão pouco e trabalhando tanto? E não tem aquele carro? Nunca esteve naquele resort?

Talvez a gente possa escapar dessas cobranças sendo mais natural, cumprindo deveres reais, curtindo a vida sem se atordoar. Nadar contra toda essa louca correnteza. Ter opiniões próprias, amadurecer, ajuda. Combater a ânsia por coisas que nem queremos, ignorar ofertas no fundo desinteressantes, como roupas ridículas e viagens sem graça, isso ajuda. Descobrir o que queremos e podemos é um bom aprendizado, mas leva algum tempo: não é preciso escalar o Himalaia social nem ser uma linda mulher nem um homem poderoso. É possível estar contente e ter projetos bem depois dos 40 anos, sem um iate, físico perfeito e grande fortuna. Sem cumprir tantas obrigações fúteis e inúteis, como nos ordenam os mitos e mentiras de uma sociedade insegura, desorientada, em crise. Liberdade não vem de correr atrás de "deveres" impostos de fora, mas de construir a nossa existência, para a qual, com todo esse esforço e desgaste, sobra tão pouco tempo. Não temos de correr angustiados atrás de modelos que nada têm a ver conosco, máscaras, ilusões e melancolia para aguentar a vida, sem liberdade para descobrir o que a gente gostaria mesmo de ter feito.

Lya Luft

Texto publicado na revista VEJA, edição 2105, em 25 de março de 2009

Você conhece algum psicopata?

Trechos de uma entrevista concedida pelo psicólogo canadense Robert Hare à revista VEJA, publicada em 01 abril de 2009:

Todo psicopata comete maldades?
Não necessariamente com o intuito de cometer a maldade. Os psicopatas apresentam comportamentos que podem ser classificados de perversos, mas que, na maioria dos casos, têm por finalidade apenas tornar as coisas mais fáceis para eles – e não importa se isso vai causar prejuízo ou tristeza a alguém. Mas há os psicopatas do tipo sádico, que são os mais perigosos. Eles não somente buscam a própria satisfação como querem prejudicar outras pessoas, sentem felicidade com a dor alheia.

É possível observar sinais que indiquem que uma criança pode se tornar um adulto psicopata?
Não há nada que indique que uma criança forçosamente se transformará num psicopata, mas é possível notar que algo pode não estar funcionando bem. Se a criança apresenta comportamentos cruéis em relação a outras crianças e animais, é hábil em mentir olhando nos olhos do interlocutor, mostra ausência de remorso e de gratidão e falta de empatia de maneira geral, isso sinaliza um comportamento problemático no futuro.

Os pais podem interferir nesse processo?
Sim, para o bem e para o mal, mas nunca de forma determinante. O ambiente tem um grande peso, mas não mais do que a genética. Na verdade, ambos atuam em conjunto. Os pais podem colaborar para o desenvolvimento da psicopatia tratando mal os filhos. Mas uma boa educação está longe de ser uma garantia de que o problema não aparecerá lá na frente, visto que os traços de personalidade podem ser atenuados, mas não apagados. O que um ambiente com influências positivas proporciona é um melhor gerenciamento dos riscos.

Os psicopatas têm consciência de que são diferentes?
A consciência, o processo de avaliar se algo deve ser feito ou não, envolve não somente o conhecimento intelectual, mas também o aspecto emocional. Do ponto de vista intelectual, o psicopata pode até saber que determinada conduta é condenável, mas, em seu âmago, ele não percebe quão errado é quebrar aquela regra. Ele também entende que os outros podem pensar que ele é diferente e que isso é um problema, mas não se importa. O psicopata faz o que deseja, sem que isso passe por um filtro emocional. É como o gato, que não pensa no que o rato sente – se o rato tem família, se vai sofrer. Ele só pensa em comida. Gatos e ratos nunca vão entender um ao outro. A vantagem do rato sobre as vítimas do psicopata é que ele sempre sabe quem é o gato.

É muito difícil identificar um psicopata no dia a dia?
Superficialmente, um psicopata pode parecer um sujeito normal. Mas, ao conhecê-lo melhor, as pessoas notarão que ele é um indivíduo problemático em diversos aspectos da vida. Ele pode ignorar os filhos, mentir sistematicamente ou apresentar grande capacidade de manipulação. Se é flagrado fazendo algo errado, por exemplo, tenta convencer todo mundo de que está sendo mal interpretado.

Um psicopata não sente amor?
Acredito que sim, mas da mesma forma como eu, digamos, amo meu carro – e não da forma como eu amo minha mulher. Usa o termo amor, mas não o sente da maneira como nós entendemos. Em geral, é traduzido por um sentimento de posse, de propriedade. Se você perguntar a um psicopata por que ele ama certa mulher, ele lhe dará respostas muito concretas, tais como "porque ela é bonita", "porque o sexo é ótimo" ou "porque ela está sempre lá quando preciso". As emoções estão para o psicopata assim como o vermelho está para o daltônico. Ele simplesmente não consegue vivenciá-las.

Revista VEJA, edição 2106, 01 de abril de 2009

domingo, 12 de abril de 2009

Una novelita

Ahora soy una madre y también una mujer casada, pero no hace mucho fui una delincuente. Mi hermano y yo nos habíamos quedado huérfanos. Eso de alguna manera lo justificaba todo. No teníamos a nadie. Y todo había sucedido de la noche a la mañana.

Nuestros padres murieron en un accidente automovilístico durante las primeras vacaciones que hicieron solos, en una carretera cercana a Nápoles, creo, o en otra horrible carretera del sur. Nuestro coche era un Fiat amarillo, de segunda mano, pero que parecía nuevo. De él sólo quedó un amasijo de hierros grises. Cuando lo vi, en el desguazadero de la policía donde había otros coches accidentados, le pregunté a mi hermano por el color.

- ¿No era amarillo?

Mi hermano dijo que sí, claro que era amarillo, pero eso fue antes. Antes del accidente. Las colisiones deforman el color o deforman nuestra manera de percibir el color. No sé qué quiso decir con eso. Se lo pregunté. Dijo: luz... color... todo. Pensé que el pobre estaba más afectado que yo.

Esa noche dormimos en un hotel y al día siguiente volvimos a Roma en tren, con lo que quedaba de nuestros padres, y acompañados por una asistente social o una educadora o una psicóloga, no lo sé, mi hermano se lo preguntó y yo no oí la respuesta pues iba mirando el paisaje por la ventana.

En el entierro sólo apareció una tía, hermana de mi madre, y detrás de mi tía aparecieron sus hijas atroces. Yo miré a mi tía todo el rato (que tampoco fue mucho) y en más de una ocasión creí descubrir una media sonrisa en sus labios, o a veces una sonrisa entera, y entonces supe (aunque en realidad ya lo sabía desde siempre) que mi hermano y yo estábamos solos en este mundo. El entierro fue breve. A la salida del cementerio besamos a nuestra tía y a nuestras primas y ya no las volvimos a ver. Mientras caminábamos a la estación de metro más próxima, le dije a mi hermano que mi tía había sonreído, por no decir que abiertamente se había carcajeado, mientras introducían los ataúdes en sus respectivos nichos. Me contestó que él también se había dado cuenta.

A partir de ese momento los días cambiaron. Quiero decir, el transcurso de los días. Quiero decir, aquello que une y que al mismo tiempo marca la frontera entre un día y otro. De pronto la noche dejó de existir y todo fue un continuo de sol y luz. Al principio pensé que era debido al cansancio, al shock producido por la repentina desaparición de nuestros padres, pero cuando se lo comenté a mi hermano me dijo que a él le pasaba lo mismo. Sol y luz y explosión de ventanas.

Llegué a pensar que nos íbamos a morir.

Roberto Bolaño (1953-2003)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Amélie Nothomb

Il y a la croissance et puis il y a la décrépitude; entre les deux il n'y a rien. L' apogée, ça n'existe pas.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Agenda

Decididamente não me interessam as vãs soluções,
nem as posições corretas
essas respostas que a gente busca na opinião
[ informada,
antes de conferir o próprio desejo;
nem os dados que o banco ou a polícia já guardam por ofício,
nem como envelhecemos igual
por força não da idade, mas do hábito.

De todas as perguntas,
só quero reter a centelha.

Desejo saber a que horas do dia encontro no céu
[ este azul de agora.
Desejo saber a que horas da vida há este sorriso
[ nos olhos dos filhos.
Desejo saber quanto dura a paixão pela vida.

Ana Cecília de Sousa Bastos