sábado, 12 de novembro de 2016

Fight Club

"Tyler diz que estou longe de ter atingido o fundo, por enquanto. E que se eu não desabar completamente, não posso ser salvo. (...) Eu não deveria me contentar apenas em abandonar dinheiro, posses e saber. (...) Eu deveria fugir de toda ideia de progressos pessoais, eu deveria ao contrário me precipitar depressa rumo ao desastre. Eu não posso mais me contentar em jogar o jogo sem me arriscar.

Isto não é um seminário.

– Se você perde seu sangue-frio antes de ter atingido o fundo, diz Tyler, você jamais conseguirá verdadeiramente.

Somente após o desastre é que podemos ressuscitar.

– Só após termos perdido tudo, diz Tyler, é que somos livres para fazer o que queremos."

Chuck Palahniuk (1962-). Fight Club (1996). Paris: Gallimard, 1999, p. 99

["Tyler dit que je suis loin d'avoir atteint le fond, pour l'instant. Et si je ne dégringole pas complètement, je ne peux pas être sauvé. (...) Je ne devrais pas juste me contenter d'abandonner argent, possessions et savoir. (...) Je devrais fuir toute idée de progrès personnels, je devrais au contraire me précipiter au pas de course vers le désastre. Je ne peux plus me contenter de jouer le jeu sans prendre de risques.

Ceci n'est pas un séminaire.

– Si tu perds ton sang-froid avant d'avoir touché le fond, dit Tyler, tu ne réussiras jamais vraiment.

Ce n'est qu'après le désastre que nous pouvons ressusciter.

– Ce n'est qu'après avoir tout perdu, dit Tyler, qu'on est libre de faire ce que l'on veut."]

Não me abraces



"Existe sim, eu juro por Pã e por Dioniso,
um fogo escondido debaixo das cinzas;
desconfio de mim. Não me abraces; muitas vezes,
rio calmo rói o muro pela base."


Calímaco, XII: 139

Photo: © Kyle • Thompson

não há alívio


"não há alívio, só gurus e deuses auto-
nomeados e camelôs.
quanto mais as pessoas dizem, tanto menos há
para dizer. 
até mesmo os melhores livros são serragem seca. [...]



tamanha tristeza: tudo tentando
abrir-se em
flor.
todo dia deveria ser um milagre em vez de
uma maquinação."


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 223

sono profundo


"a morte nem sempre chega como uma bomba
ou uma puta gorda
às vezes a morte rasteja polegada a polegada
como uma pequena aranha rastejando na sua barriga
enquanto você
dorme."


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 245

Hemingway


"em seu derradeiro dia
Hemingway acenou para
alguns garotos indo para a escola,
eles acenaram de volta, e ele nunca tocou o suco de laranja
à sua frente;
então ele enfiou aquela arma em sua boca como um
canudinho
e apertou o gatilho
e um dos poucos imortais da América
era sangue e miolos pelas paredes e pelo
forro da sala"


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 238

Foto: Ernest Hemingway (1899-1961)

morrer

"aqui estou eu sentado sozinho
feito um frouxo

ouvindo Chopin

o vento noturno soprando
através das
cortinas rasgadas.

hoje ganhei 546 dólares nas corridas mas
agora estou pensando que
morrer é uma coisa tão
estranha e ordinária.

só espero nunca precisar
de uma dentadura postiça antes de
ir embora."

Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 271

sobrevivi


"minha própria 
história:
este modo terrível de
viver.



mas sinto que agora agarrei
a vitória
sobre toda essa inútil
negra e furiosa
histeria.



sobrevivi a tudo
isso e
podem me dar porradas com suas
vidas raivosas e
me queimar em meu
leito de morte.



mas de algum modo
encontrei uma paz
perpétua
que nunca conseguirão
tirar 
de mim."


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 280

quero morrer depressa


"Silêncio depressa! Tragam dos mares fundos silêncios
Tragam do ar mais distante silêncio!
Tragam silêncio do centro da terra depressa!
Tragam do inferno o silêncio dos condenados que descansam.
Tragam do céu o silêncio das beatitudes
O silêncio do voo dos anjos pelos tempos sem espaço, tragam depressa
O silêncio dos mortos recém-nascidos, tragam depressa.
Tragam o silêncio dos corpos, dos bêbados dormindo
Tragam o silêncio dos loucos
O silêncio dos mundos, dos tempos.
O silêncio do que ainda vai se realizar, tragam depressa
Tragam por Deus, que eu quero morrer depressa!"


Augusto Frederico Schmidt (1906-1965). Antologia Poética. Rio de Janeiro: Leitura, 1962, p. 44

alone

there is a black hole in my office
freezing the air.

the whole thing widens
its mouth, screaming,
calling for
darkness around me; my head
pulses,
my beard tickles
my skin.


and i’m old.

i’m dying.

the cold air
pulls me
from my guts,
from my brain,
from my heart

and i go
silently
and peacefully

into

the

abyss.

Flávio Marcus da Silva (1975-)

seu novo livro


"eu jogo seu novo livro
na cesta de papéis.
eu não o quero
por perto.



agora ele é um
escritor de sucesso
o que significa 
que seu trabalho
não deixa mais
ninguém
zangado
enojado
ou triste.



nunca faz
ninguém 
rir.



nunca faz
ninguém
ter aquele arrepio de maravilhamento
ao ler
aquilo."


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 276

Desassossego


"Acordei hoje muito cedo, num repente embrulhado, e ergui-me logo da cama, sob o estrangulamento de um tédio incompreensível. Nenhum sonho o havia causado; nenhuma realidade o poderia ter feito. Era um tédio absoluto e completo, mas fundado em qualquer coisa. No fundo obscuro da minha alma, invisíveis, forças desconhecidas travavam uma batalha em que meu ser era o solo, e todo eu tremia do embate incógnito. Uma náusea física da vida inteira nasceu com o meu despertar. Um horror a ter que viver ergueu-se comigo da cama. Tudo me pareceu oco e tive a impressão fria de que não há solução para problema algum. Uma inquietação enorme fazia-me estremecer os gestos mínimos. Tive receio de endoidecer, não de loucura, mas de ali mesmo. O meu corpo era um grito latente. O meu coração batia como se soluçasse."

Fernando Pessoa (1888-1935). Livro do desassossego. Porto: Assírio e Alvim, 2013, n. 98. Citado por Adriano Oliveira. O tédio no 'Livro do Desassossego'.

Escolhas


“...as escolhas foram programadas, são impostas. A partir do condicionamento escolar, quando a criança entra na escola, vão dizer para ela: ‘Você não pode se divertir enquanto aprende’. Porra, aprender é divertido, cara! Tem que ser divertido. Tem que ser com prazer. Mas a criança já vai sendo enquadrada para encarar o trabalho como sacrifício. Você vai se divertir na hora do RECREIO. Setoriza sua alegria. Você vai se divertir nas horas vagas. No fundo, você vai viver nas horas vagas. Você vai fazer o que você gosta nas horas vagas. Você está sendo programado para odiar o seu trabalho, para adorar a sexta-feira, para você, quando for se divertir, estar tão pressionado, que você não vai se divertir, você vai descarregar. E nesse descarrego, você vai consumir. E nesse consumo, você vai dar lucro. Até o seu prazer vai ser controlado, vai ser induzido.”

Eduardo Marinho, artista de rua

Simplicidade

"O problema é que vivemos em um mundo no qual se acredita que aquele que triunfa deve possuir muito dinheiro, ter privilégios, uma casa grande, mordomos, muitos servidores, férias superluxuosas. Entretanto, eu acho que esse modelo de sucesso é apenas um modo idiota de se complicar a vida. Eu acho que quem passa a sua vida acumulando riqueza está doente assim como um toxicodependente, deveria se tratar. [...]

Eu conheci multimilionários, até mesmo muito idosos. E perguntei a muitos por que razão continuavam acumulando dinheiro se, no fim das contas, deveriam deixá-lo aqui. A resposta sempre foi que não podiam deixar de fazer isso, como uma doença. [...]

A minha ideia de felicidade é especialmente anticonsumista. [...] Parece que nascemos apenas para consumir e, se não podemos mais fazer isso, sofremos a pobreza. Mas, na vida, é mais importante o tempo que podemos dedicar ao que gostamos, aos nossos afetos e à nossa liberdade. E não aquele em que somos obrigados a ganhar cada vez mais para consumir cada vez mais. Não estou fazendo nenhuma apologia da pobreza, mas apenas da sobriedade. [...]
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“As pessoas dedicam toda a sua vida ao trabalho, a produzir riqueza, para poder consumir, para gerar esse crescimento econômico. Mas a vida não é só trabalho. É preciso viver, é preciso amar, é preciso ser feliz, precisa-se de tempo para viver, amar e ser feliz. Ninguém compra cinco anos de vida no supermercado. [...]

A acumulação capitalista necessita que compremos, compremos e gastemos e gastemos. Vendem mentiras até que te tiram o último dinheiro. Essa é a nossa cultura e a única saída é a contracultura.”

Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai

Veneno

"Mostrar cólera e ódio nas palavras ou no semblante é inútil, perigoso, imprudente, ridículo e comum. Não devemos mostrar a nossa cólera ou o nosso ódio senão por meio de atos; e estes podem ser praticados tanto mais perfeitamente quanto mais perfeitamente tivermos evitado os primeiros. Os animais de sangue frio são os únicos que têm veneno."

Arthur Schopenhauer (1788-1860). Aforismos para a Sabedoria de Vida

Velhice

"Com o passar do tempo, há dois sentimentos que desaparecem: a vaidade e a inveja. A inveja é um sentimento horrível. Ninguém sofre tanto como um invejoso. E a vaidade faz-me pensar no milionário Howard Hughes. Quando ele morreu, os jornalistas perguntaram ao advogado: 'Quanto é que ele deixou?'. O advogado respondeu: 'Deixou tudo.' Ninguém é mais pobre do que os mortos."

António Lobo Antunes, escritor português. In: Diário de Notícias (2004)

Tenho de brigar

"Vou brigar contigo.
Vou apanhar e vou sangrar
mas vou brigar.
Tenho de lutar contigo, tenho
de gritar bem alto nomes feios
que sobem à garganta.
Eles crescerão no ar da rua,
subirão às sacadas dos sobrados
e todos ouvirão.
Fui eu quem disse. O magricela. O triste.


Tenho de brigar,
rolar no chão contigo, intimamente
abraçados na raiva. Tenho de
a pontapé ferir o teu escroto.
Pouco importa me batas pelo dobro.
Pouco importa me arrases. Meu irmão
não chamo a socorrer-me. Quero ser
o perdedor que ganha de seu medo."

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Boitempo (1968, 1973, 1979). In: Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 982